segunda-feira, 28 de julho de 2008

O bêbado e o egoísta

Muito se tem festejado a redução dos acidentes de trânsito após o início da vigência da Lei Federal nº. 11.705, de 19 junho de 2008, que instituiu a chamada “tolerância zero” para a direção de veículo sob o efeito do álcool. E a notícia é para festa mesmo, pois se fala em 27%, 35% e até  40% de diminuição no número de acidentes. Mas se há um dado extremamente positivo nisso, há outro preocupante: será que esses 27%, 35% ou 40% dos motoristas não dirigem bêbados somente porque isso pode lhe ensejar multa, apreensão do veículo ou responder a processo criminal?
Tenho um tio, já falecido, que costumava dizer de uma forma bem humorada: “eu não gosto da pinga, eu gosto da ‘tonturinha’ que a pinga dá”. Gosto de lembrar essa sua frase, e também de outras formuladas por pessoas mais simples, pois elas revelam a verdade sobre o que se pensa, mais ainda, sobre o que motiva suas ações. De fato, a pessoa ingere a bebida porque ela lhe dá prazer. Mas será correta a busca do prazer de uma forma inconseqüente, sem se preocupar com a tranqüilidade, a segurança e a vida dos demais?
É oportuno indagarmos com freqüência sobre o que motiva as nossas ações. O medo à punição, o puro respeito às regras, ou o bem do outro?
A lei, a polícia e a justiça são necessárias. Afinal, não se pode contar apenas com a “consciência” de cada um. Mais ainda, é imprescindível que se aja com rigor contra aqueles que descumprem as regras. Pois, do contrário, o efeito intimidatório da lei passará tão depressa quando os efeitos prazerosos da bebida.
Mas há um exagero em se apontar a impunidade como a causa de todos os males que nos afligem. De fato, ela traz conseqüências muito danosas. Porém, será que antes dela, não há uma razão mais profunda, arraigada no interior de cada ser humano? Com efeito, se a pessoa, antes de exagerar na bebida, pensasse no mal que isso faz ou pode fazer aos filhos, à esposa, aos que transitam na via pública, não seria necessária a punição para que fosse moderado no consumo ou, em determinadas ocasiões, se abstivesse mesmo do uso de bebida alcoólica.
E esse aspecto do problema não se corrige com punição, mas com formação das pessoas, a começar pela família e pela escola. Talvez no afã de formar profissionais “brilhantes”, que se destaquem profissionalmente, muitos pais e profissionais da educação se esquecem de que o ser humano é um todo complexo, e que exatamente por isso necessita de uma formação integral. Assim, tão ou mais importante que estudar as leis da física, que explicam a dinâmica de um acidente automobilístico, é necessário ensinar os valores humanos, dentre eles, a generosidade, a responsabilidade, o respeito pelo próximo.
Pode parecer utópica essa proposta de mudar a sociedade por meio da formação de valores nas crianças. No entanto, se fizermos uma experiência, veremos que elas têm um senso de justiça muito aguçado, de modo que bem rápido apreendem e colocam esses ensinamentos em prática.
Num dia desses fui com minha família a uma pizzaria. Comemorávamos o aniversário de um filho e acabei tomando dois copos de chope. Quando saímos, tomei o meu lugar no volante. Ao notar isso, que nenhum dos adultos notava, meu filho disse indignado: “Mas pai, você bebeu, não pode dirigir!”. Confesso ao leitor que a frase dele me deixou envergonhado.

É bem conhecida entre os juristas uma teoria que sustenta que o Estado deve formular leis que defendam as pessoas menos favorecidas, tutelando a parte mais fraca das relações. E a frase que resume essa teoria é: “entre o forte e o fraco é a liberdade que escraviza e a lei que liberta”. Sem me preocupar com os fundamentos dessa afirmação, parafraseando-a, ousaria dizer que entre o bêbado e o egoísta é a lei que intimida, mas é a educação que conserta.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Jornada Mundial da Juventude

Nesta segunda-feira, dia 21, encerra-se a visita do Santo Padre à Austrália, onde participou da XXIII Jornada Mundial da Juventude. O evento reuniu jovens do mundo inteiro, que buscam reavivar e difundir a fé cristã. Observando aquela multidão de pessoas alegres, formada por negros, brancos, amarelos, que possuem costumes e línguas diferentes, mas que conversam entre si e conseguem se entender, talvez falando uma linguagem universal, confesso que não consigo conter uma indagação que me aflui bem de dentro: o que move esses milhares de jovens a se reunirem entre si e com o Papa?
Atrevo-me então a buscar na Bíblia uma resposta a isso. E nela encontro como que uma auto-definição que Jesus faz de Si mesmo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 13,6). Estaria aqui a razão dessa força que move esses jovens?
Há um caminho. É muito consolador constatar que o Santo Padre, no seu primeiro discurso ao povo australiano, formula uma indagação semelhante: “Alguém poder-se-ia perguntar pela razão que impele milhares de jovens a empreenderem uma viagem – para muitos deles – longa e cansativa, a fim de poderem participar num acontecimento deste gênero”. E logo em seguida dá a resposta: “Anseiam por tomar parte num acontecimento que ressalta os grandes ideais que os inspiram, e voltam depois para suas casas repletos de esperança, com uma renovada decisão de construir um mundo melhor”.
Nossos jovens possuem grandes ideais de vida. A rebeldia, essa saudável e santa rebeldia juvenil nada mais é que um não rotundo à mentira, à hipocrisia, às estruturas corrompidas. Muitos jovens, porém, por alguns fatores, não conseguem direcionar bem seus anseios e se perdem em descaminhos, como o da droga, no qual não encontram a felicidade a que tanto anseiam. E então é preciso dizer a eles que há um caminho, tanto que muitos e há dois milênios o percorrem.
Há uma verdade. Um dos maiores males do mundo moderno é o relativismo. É preciso ressaltar, e esses jovens são exemplos eloqüentes disso, que apesar das muitas diferenças étnicas, sociológicas e históricas que marcam os homens, há em todos eles e em todo o tempo um anseio universal pela felicidade e que essa felicidade seja eterna. E há Alguém imutável e eterno que está acima dessas circunstâncias e que pode aplacar esses anseios.
Mas ao afirmarmos que há uma verdade universal, nem de longe pode nos conduzir a uma postura discriminatória e exclusivista. Na verdade, uma das atitudes mais comoventes que antecederam a Jornada Mundial da Juventude partiu do líder muçulmano da Austrália, Ikebal Patel. Após dar as boas-vindas a Sua Santidade o Papa Bento XVI, assim como a todos os peregrinos na Austrália, Ikepal admitiu que está «particularmente orgulhoso» de que a Igreja Católica tenha aceito a oferta da Escola Islâmica Malek Fahd,  em Sydney, para hospedar 350 peregrinos durante as festividades. O anseio pela verdade e pelo amor que une esses jovens é capaz de transpor as barreiras que há séculos separam as diversas religiões!
Esses jovens trazem em si um forte anseio de vida. E, como diz também o Evangelho, “que a tenham em abundância”. Mas em que consiste essa vida em abundância? Novamente são palavras do Papa: “Através da ação do Espírito, possam os jovens aqui reunidos para a Jornada Mundial da Juventude ter a coragem de se tornarem santos! Mais do que qualquer outra coisa, o mundo precisa disto”.

Essas palavras do Papa sobre a santidade fazem-me lembrar os ensinamentos de São Josemaría Escrivá: “Um segredo. - Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos”. Essa é a verdadeira vida a que tanto anseiam. Mas é preciso dizer, mais com o exemplo que com as palavras, que a santidade não é esquisitice, nem apartar-se dos demais, formando uma casta de “caretas”. Ao contrário, trata-se de ser jovens, em todas as idades, que, no lugar em que estão, no seu trabalho, na sua família, no seu relacionamento social, fazem o mesmo que os demais, mas empenhando-se por fazer cada coisa como Cristo o faria. E com isso, sendo sal e luz para os demais, tornam mais alegre esse mundo que nos rodeia.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Gastos eleitorais: uma mentira aceitável?

Agora que se encerrou o prazo para que os partidos e coligações registrassem suas candidaturas para as eleições municipais de 2008, a imprensa tem noticiado os limites máximos de gastos que os candidatos informaram à Justiça Eleitoral. E as matérias publicadas seguem mais ou menos uma mesma linha: relatam números (milhões) que, em si, causam perplexidade no cidadão comum e, em seguida, dizem nas entrelinhas, ou mesmo abertamente, que esses números são apenas os informados, mas que, na verdade, os gastos reais serão bem superiores aos declarados.
E entre os cidadãos que se deparam com tais notícias ocorre algo semelhante. Ao se depararem com o assunto, é corriqueiro o seguinte comentário: “Mas isso é só o que eles afirmaram que vão gastar, mas na verdade os gastos serão muito maiores”. Penso que essa postura é muito preocupante. Isso porque ou os meios de comunicação exageram, sugerindo que todos os candidatos mentem à Justiça Eleitoral, e nesse caso a imprensa, ao invés de informar, deforma, ou de fato os políticos, em regra, mentem ao prestar tão relevante informação. Seja como for, falta-se com a verdade e isso é tido pelas pessoas como algo tão corriqueiro que se aceita como sendo normal.
A mentira é sempre um mal. Trata-se de um ato reprovável que aos poucos vai abalando todas as estruturas sociais. É que a vida em sociedade deve ser pautada pela confiança nos demais. E quando falta essa confiança a vida se torna insuportável. Imaginemos como seria a nossa vida se tivéssemos de desconfiar de tudo e de todos. Por exemplo, se o médico nos receita um medicamento, é razoável supor que é o mais indicado para a nossa doença. E os exemplos poderiam se multiplicar. Mas é intuitivo que quanto mais pudermos confiar nas pessoas, tanto mais pacífica e harmoniosa será a vida em sociedade.
Ao contrário, quanto menos sejam as pessoas dignas de confiança, tanto mais complicada se tornará a vida. E todos nós sentimos isso de forma muito clara. Que bom seria se, ao fazermos um cadastro, pudéssemos dizer o nosso nome e demais dados sem apresentar nenhum comprovante. E se nos perguntassem se temos algum débito, diríamos que não e nossa palavra bastasse. Seria tudo mais simples. No entanto, como é complicado a todo tempo apresentar cópia disso e daquilo, com firma reconhecida na presença do tabelião etc.
Qual é a razão disso? É que alguns, ou muitos, faltam com a verdade, de modo que todos são prejudicados, posto que não se sabe, de antemão, quem é e quem não é mentiroso. Disso podemos concluir que a mentira é um verdadeiro câncer que corrói as relações sociais. E se é assim, não pode jamais ser considerada como algo normal e sem importância.
O mentiroso sempre tem uma desculpa. Dentre os políticos que informam um valor e mantêm um “caixa 2”, no fundo de suas consciências, inventam-se muitas justificativas: “é que tal empresa se dispõe a doar, mas não quer que lhe emita recibo e não quer aparecer”, ou “todo mundo recebe dinheiro por baixo do pano e, se eu não fizer, vou sair prejudicado”. Outros, mais argutos, esboçam justificativas mais bem elaboradas: “faço caixa 2 porque todos fazem, mas é necessário que seja eleito ainda que dessa forma, para trabalhar por esse povo sofrido...”. Se fosse isso verdade, poderíamos dizer sem medo de errar: pobre povo, que precisa de mentiras para escolher “bons” governantes.
Confesso ao leitor que muito me inspiram os ensinamentos de um grande santo que viveu no século passado. Uma de suas frases mais célebres é exatamente sobre a verdade: “Não tenhas medo à verdade, ainda que a verdade te acarrete a morte”.

Se nem a morte devemos temer por dizer sempre a verdade, também não se deverá temer a derrota numa eleição. Ademais, se o que se pretende, como vereador ou prefeito, é servir aos demais, não seria uma terrível incoerência mentir ao eleitor para conseguir um cargo público, com o qual se busca exatamente servir àqueles a quem se mentiu para chegar ao cargo?

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Tolerância zero

Acendeu-se recentemente a polêmica sobre a mudança legislativa que proíbe a condução de veículo após se ter ingerido qualquer quantia de bebida alcoólica. Diante disso, há quem seja simpático à alteração e há os que são contrários, por entender que é  exagerada. Em suma, seria necessário tomar uma medida tão radical?
A resposta não é simples. Antes de tudo, penso há que se indagar quais os fins buscados pela lei.
Dizem que os acidentes de trânsito no Brasil matam mais que muitas guerras. E as estatísticas mostram que um percentual altíssimo dos acidentes ocorrem com motoristas que dirigem sob o efeito do álcool. Assim, se o que se busca é atacar um problema dessa dimensão, os meios devem ser tão ou mais contundentes que o problema. Trata-se, portanto, de uma verdadeira guerra.
Numa guerra, as pessoas sofrem restrições a vários direitos legítimos, o que é necessário, tendo em vista a situação excepcional. Por exemplo, o direito de se reuniram em praças públicas, a inviolabilidade do domicílio, dentre outros, ficam restritos, o que é necessário sofrer até que seja restabelecida a normalidade. Assim, nessa luta para que haja paz no trânsito, há interesses legítimos de muitas pessoas, mas que podem ser restringidos tendo em vista um bem maior.
Mas quais seriam esses interesses legítimos que ficam tolhidos com a lei? Dentre os que terão sua liberdade tolhida talvez esteja o cidadão de bem, prudente e comedido, que, quando vai dirigir, não ingere mais que uma cerveja ou dois cálices de vinho. De fato, tolher essa pessoa de ingerir essa pequena quantidade de bebida alcoólica significa impedi-lo de fazer algo legítimo.
Além disso, os jovens que ingerem grandes quantidades de bebida alcoólicas nas “baladas”, os que passam horas e horas bebericando aos domingos, enfim, todos os que se excedem no uso do álcool também ficarão impedidos de conduzir veículo nessas condições. Mas isso não se trata de um direito nem de um interesse legítimo. Ao contrário, é uma conduta nociva e que põe em risco a própria vida e a dos demais, de modo que deve mesmo ser punida com rigor.
Assim, penso que o único verdadeiramente prejudicado com a lei é o cidadão prudente, que outrora ingeria pequenas quantidades de álcool, e que agora não mais o fará quando tiver de dirigir. Ocorre que esse, no fundo não perde quase nada. É que se já era consciente a ponto de beber pouco, por certo que não terá nenhuma dificuldade de não beber nada quando tiver de dirigir. Além disso, são esses cidadãos de bem os que mais sofriam com o risco de serem atingidos por bêbados no trânsito, de modo que muito mais ganharão que perderão com a medida.
Penso, portanto, que a medida é extremamente elogiável. E espero que não venha a ser relativizada por intermináveis discussões judiciais. Com efeito, já se tem ouvido que passar pelo teste do “bafômetro” viola garantias constitucionais, afronta a liberdade pessoal, blá, blá, blá... Que me perdoe o leitor o desabafo, mas já estou farto desses argumentos! Ora, quem viola a maior garantia constitucional é o bêbado no volante, que põe em risco a vida humana, princípio e fim de qualquer direito, com expressa previsão no artigo 5º da Constituição Federal.
Mas é necessário que haja fiscalização intensiva e eficaz, e que as transgressões à lei sejam efetivamente punidas. Do contrário, os homens de bem se privarão dos dois únicos copos de chope antes de dirigir e os ébrios seguirão morrendo e matando sob o pálio da impunidade.

Lembro-me agora de uma piada muito conhecida: Seguia o bêbado por uma rodovia. Após algum tempo, ouviu no rádio um alerta aos motoristas que ficassem atentos, pois havia um veículo seguindo na contramão. Ao ouvir isso, disse o bêbado: “um carro só não. Tá todo mundo na contramão!”. Nessa mesma rodovia talvez houvesse alguns motoristas na mão correta de direção, dirigindo prudentemente, mesmo após ingerir um ou dois copos de cerveja. E esses, mesmo que não possam mais beber nada antes de dirigir, serão os verdadeiros beneficiados com a lei, conquanto que o bêbado seja efetivamente impedido de dirigir e, se necessário, punido por isso.