segunda-feira, 9 de junho de 2008

O STF e os embriões congelados

Há poucos dias o Supremo Tribunal Federal decidiu em definitivo a Ação Direta de Inconstitucionalidade referente às células-tronco embrionárias, reconhecendo a constitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, a chamada Lei da Biossegurança. E agora que o processo está julgado em definitivo, nada me impede de que, na condição de juiz, faça comentários sobre o caso.
Com o devido respeito que sempre há de se tributar às decisões do Supremo Tribunal Federal, acredito que o dispositivo é mesmo inconstitucional. E há vários argumentos científicos para isso, mas não é possível expô-los nessa singela abordagem.
Mas há um argumento que penso ser invencível. É que nenhum biólogo sério ousaria afirmar que o espermatozóide, antes de fecundar o óvulo, seja uma célula morta. Tem ele todos os atributos de uma célula viva, tanto que se move por suas próprias forças no interior da cavidade uterina. O mesmo se diga do óvulo que se desprende do ovário e desce pelas trompas. Trata-se de uma célula que ninguém negaria ser uma célula viva. Sendo assim, como alguém poderia sustentar que da fusão dessas duas células vivas se gerasse um novo ser morto? E esse ser, ao qual não se reconhece ser uma vida humana, vai se multiplicando até se transformar num homem ou numa mulher com as características que conhecemos!
Assim, penso ser insustentável qualquer argumento que negue a existência de uma vida humana no período que vai da fecundação até qualquer momento posterior. E o pior, e também mais perigoso, é considerar quando seria esse momento posterior: fixação na parede do útero, desenvolvimento das células nervosas, nascimento, dois anos de vida, cinco, dez?...
Mas, no caso da norma em questão, há algumas peculiaridades que não se pode negar. É que ela permite a pesquisa com embriões considerados como inviáveis ou congelados há mais de três anos. Assim, o argumento a favor das pesquisas está no sentido de que esses dificilmente viriam a se desenvolver, seja porque inviáveis, seja porque nenhuma mulher se dispõe a abrigá-los em seus ventres. Tanto mais se considerado o número de embriões existentes congelados em clínicas de fecundação artificial existentes.
Ainda que seja assim, não me parece ético, nem de acordo com a proteção à vida humana dispensado pela Constituição Federal, que um ser humano possa ser sacrificado em pesquisas, ainda que para se buscar salvar outras vidas.
Penso, porém, que o problema tem raízes mais profundas e que não se quer enfrentar. O dispositivo da Lei da Biossegurança em questão tem um inescondível propósito: dar uma solução ao problema dos embriões congelados, tanto que não se permite produzir embriões para pesquisa, mas tão-somente se admite que sejam utilizados para tanto os inviáveis e os congelados há mais de três anos.
Sendo assim, deveríamos, em respeito à vida humana, cuidar de proibir com rigor que, doravante, haja embriões, vale dizer, seres humanos, congelados em laboratório. E, para isso, bastaria que se fecundassem apenas os óvulos que fossem efetivamente ser utilizados. Poder-se-ia sustentar que isso seria inviável, pois a mulher haveria de passar por vários procedimentos até que se lograsse êxito etc. Ora, mas em nome da eficácia da fecundação in vitro deveríamos continuar a permitir que se produzam mais embriões que os que efetivamente se pretende implantar no útero materno? Será que a essas vidas que se mantêm congeladas está sendo assegurada a dignidade da pessoa humana, também assegurada no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal?

Nesse contexto, não vejo a decisão do Supremo como o primeiro passo de uma série de outras medidas tendentes a banalizar a vida humana, como uma espécie de primeira etapa, após a qual viriam o aborto, a eutanásia etc. Penso que se admitiu a pesquisa como forma de solução de um problema existente e inegável, ainda que não concorde com essa solução. E cabe a nós agora combatermos as raízes do problema, em defesa da vida desde a concepção até a morte natural, e em todas as suas fases, que seja vivida com a plena dignidade que lhe é assegurada em nossa Constituição Federal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário