Há poucos dias o Supremo Tribunal Federal decidiu em
definitivo a Ação Direta de Inconstitucionalidade referente às células-tronco
embrionárias, reconhecendo a constitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 11.105,
de 24 de março de 2005, a
chamada Lei da Biossegurança. E agora que o processo está julgado em
definitivo, nada me impede de que, na condição de juiz, faça comentários sobre
o caso.
Com o devido respeito que sempre há de se tributar às
decisões do Supremo Tribunal Federal, acredito que o dispositivo é mesmo inconstitucional.
E há vários argumentos científicos para isso, mas não é possível expô-los nessa
singela abordagem.
Mas há um argumento que penso ser invencível. É que
nenhum biólogo sério ousaria afirmar que o espermatozóide, antes de fecundar o
óvulo, seja uma célula morta. Tem ele todos os atributos de uma célula viva,
tanto que se move por suas próprias forças no interior da cavidade uterina. O
mesmo se diga do óvulo que se desprende do ovário e desce pelas trompas.
Trata-se de uma célula que ninguém negaria ser uma célula viva. Sendo assim,
como alguém poderia sustentar que da fusão dessas duas células vivas se gerasse
um novo ser morto? E esse ser, ao qual não se reconhece ser uma vida humana,
vai se multiplicando até se transformar num homem ou numa mulher com as
características que conhecemos!
Assim, penso ser insustentável qualquer argumento que
negue a existência de uma vida humana no período que vai da fecundação até
qualquer momento posterior. E o pior, e também mais perigoso, é considerar
quando seria esse momento posterior: fixação na parede do útero,
desenvolvimento das células nervosas, nascimento, dois anos de vida, cinco,
dez?...
Mas, no caso da norma em questão, há algumas
peculiaridades que não se pode negar. É que ela permite a pesquisa com embriões
considerados como inviáveis ou congelados há mais de três anos. Assim, o
argumento a favor das pesquisas está no sentido de que esses dificilmente
viriam a se desenvolver, seja porque inviáveis, seja porque nenhuma mulher se
dispõe a abrigá-los em seus ventres. Tanto mais se considerado o número de
embriões existentes congelados em clínicas de fecundação artificial existentes.
Ainda que seja assim, não me parece ético, nem de
acordo com a proteção à vida humana dispensado pela Constituição Federal, que
um ser humano possa ser sacrificado em pesquisas, ainda que para se buscar
salvar outras vidas.
Penso, porém, que o problema tem raízes mais
profundas e que não se quer enfrentar. O dispositivo da Lei da Biossegurança em
questão tem um inescondível propósito: dar uma solução ao problema dos embriões
congelados, tanto que não se permite produzir embriões para pesquisa, mas
tão-somente se admite que sejam utilizados para tanto os inviáveis e os
congelados há mais de três anos.
Sendo assim, deveríamos, em respeito à vida humana,
cuidar de proibir com rigor que, doravante, haja embriões, vale dizer, seres
humanos, congelados em
laboratório. E , para isso, bastaria que se fecundassem apenas
os óvulos que fossem efetivamente ser utilizados. Poder-se-ia sustentar que
isso seria inviável, pois a mulher haveria de passar por vários procedimentos
até que se lograsse êxito etc. Ora, mas em nome da eficácia da fecundação in vitro deveríamos continuar a permitir
que se produzam mais embriões que os que efetivamente se pretende implantar no
útero materno? Será que a essas vidas que se mantêm congeladas está sendo
assegurada a dignidade da pessoa humana, também assegurada no artigo 1º, inciso
III da Constituição Federal?
Nesse contexto, não vejo a decisão do Supremo como o
primeiro passo de uma série de outras medidas tendentes a banalizar a vida
humana, como uma espécie de primeira etapa, após a qual viriam o aborto, a
eutanásia etc. Penso que se admitiu a pesquisa como forma de solução de um
problema existente e inegável, ainda que não concorde com essa solução. E cabe
a nós agora combatermos as raízes do problema, em defesa da vida desde a
concepção até a morte natural, e em todas as suas fases, que seja vivida com a plena
dignidade que lhe é assegurada em nossa Constituição
Federal.
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