Há alguns dias presenciei uma conversa entre dois de
meus filhos que deixou preocupado. Cuidavam eles dos preparativos para
comparecer à olimpíada de jogos radicais, o X-Games,
que se realizou no Sambódromo em São Paulo. Estavam
com um problema, pois um deles ainda não possuía R.G., documento necessário para
ingressar no evento. A discussão caminhou até que o João Lucas teve uma
brilhante idéia: “José, como eu não vou, você vai com o meu documento. As
pessoas confundem a gente mesmo, então ninguém vai desconfiar. Mas se alguém
perguntar, você não pode esquecer: você é o João Lucas”. O José gostou da
idéia: “legal, vai dar certo. Problema resolvido!”.
A minha primeira reação foi a de fazer “um belo
discurso”. Felizmente me dei conta a tempo de que isso seria muito pouco
eficaz, e então resolvi intervir aos poucos: “João, mas será que está certo
isso”. Ele me respondeu de bate-pronto: “Ué, pai, vamos fazer igual a ministra.
Ao invés dela pegar o cartão de crédito dela, pegou o do governo. Se alguém
desconfiar, o José diz que pegou o meu documento, ao invés do dele...”.
Confesso que por essa eu não esperava. “Esse moleque tem apenas dez anos”,
pensei, e já me colocou nesse apuro. Como não sabia o que responder, disse
apenas: “ela não era ministra”. “Sei lá, pai, mas era uma pessoa importante do
governo”, retrucou ele.
De fato, com tanto mau exemplo na vida pública, como
podemos ensinar aos nossos filhos que é importante ser honesto e dizer sempre a
verdade?
Penso que um ponto importante é ensinar-lhes a
distinguir a mentira da discrição, do silêncio sobre assuntos sobre os quais
outras pessoas não têm o direito de saber. Por exemplo, se alguém nos pergunta
sobre um aspecto da intimidade da vida família, não é necessário que se
responda com uma mentira, basta que não se responda. Isso deve ser feito com
delicadeza, mas com firmeza se for necessário.
Isso parece óbvio, porém, a diferença entre o
silêncio e a mentira não está clara para muitas pessoas. Por exemplo, na semana
passada a imprensa noticiou que uma pessoa, que ocupava um cargo importante no
governo federal, obteve no STF o direito de se manter em silêncio quando
chamado a depor perante uma CPI. Desse fato alguns repórteres concluíram que
lhe foi assegurado o direito de mentir. Ora, manter-se em silêncio é um direito
constitucional assegurado a todo acusado, e decorre do princípio de que ninguém
está obrigado a produzir prova contra si próprio. No entanto, mentir á algo
essencialmente diferente de calar-se. A mentira é sempre imoral e reprovável,
ainda que nem sempre seja considerada como um crime para o direito vigente.
A nossa Constituição Federal assegura a todo acusado
o direito de permanecer calado, não o de mentir. E dizer que no direito de
calar estaria implícito o direito de mentir é o mesmo que dizer que no direito
à legítima defesa está implícito o de matar.
Outro aspecto importante, nessa luta por ensinar aos
nossos filhos a dizer sempre a verdade, é considerar que não há “mentirinha sem
importância”. Uma mentira é sempre uma mentira.
Lembro-me agora do que me contou um grande sujeito.
Estava ele com sua esposa e filhos numa cidade turística dentro de um daqueles
trenzinhos que fazem uma city tour. Quando
passou o cobrador, perguntou-lhe quantas crianças tinham mais de quatro anos,
ao que ele respondeu: “duas”. No entanto, a sua terceira filha, toda orgulhosa
de ter completado recentemente os seus cinco anos, protestou: “não, pai, eu
também já fiz cinco anos, esqueceu?”. O pai, corado de vergonha, respondeu:
“Tem razão filha. Toma aqui, moço, falta o dinheiro de mais uma passagem...”.
E nós, como teríamos reagido nessa situação?
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