segunda-feira, 28 de abril de 2008

Prisão provisória e impunidade

Periodicamente ganham notoriedade na mídia crimes escabrosos, que causam verdadeira comoção nacional. Em muitos deles, porém, a população assiste atônita e indignada ao fato de os criminosos aguardarem em liberdade, por anos e anos, a solução final do caso. Nesse contexto, penso que cabem duas indagações: É justo isso? E, por outro lado, o Judiciário deveria ouvir mais o clamor popular que pede a prisão dos envolvidos?
Ressalto que não farei uma análise  sobre nenhum caso em particular, pois o juiz está proibido de se manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem (artigo 36, inciso III da Lei Orgânica da Magistratura).
Falemos do segundo ponto. O juiz deve se sensibilizar pelo clamor popular? Penso que não. A população em geral não tem acesso direto às provas. As notícias que chega pela imprensa, lamentavelmente, muitas vezes são marcadas por um forte sensacionalismo. Além disso, a nossa imprensa é ainda pouco preparada para entender a acompanhar a tramitação de inquéritos e processos. Seria conveniente que os repórteres se ocupassem da formação jurídica, de modo a trazer as notícias que envolvem o Judiciário com maior compreensão do que realmente acontece.
Mas o principal motivo que deve levar o juiz a ser muito cauteloso com o clamor popular é que ele deve buscar o equilíbrio entre os dois pratos da balança. Quanto aos crimes em geral, num dos pratos está a sociedade e, no outro, o acusado. Assim, pender exclusivamente para um lado, muitas vezes, pode redundar numa injustiça. Há quem dirá que “a voz do povo é a voz de Deus”. Embora essa frase seja sábia, quanto aos julgamentos, eu convido todos a meditar num julgamento em que o juiz ouviu a “voz do povo”. Trata-se do juiz Pilatos. Ele, conforme sua consciência, queria absolver o Acusado, pois não via nEle crime algum. Porém, diante da multidão encrespada, lavou as mãos e entregou o preso para ser crucificado. Nesse caso, como sabemos, não havia ninguém ali que ousasse pedir a absolvição do Réu. Todos gritavam fortemente “crucifica-O, crucifica-O!”. E o juiz atendeu ao apelo. Mas agora fica a pergunta: foi feita justiça? Penso que não. Foi o julgamento mais injusto de toda a história.
Portanto, o juiz não pode jamais lavar as mãos, como Pilatos o fez. Deve ter a coragem de seguir a sua consciência, ainda que, por vezes, ela aponte para uma decisão extremamente impopular. Até porque, se pensarmos bem, qualquer um de nós pode estar um dia no banco dos réus. E estou certo de que ninguém gostaria de ser julgado por um juiz volúvel, que decide ao sabor do “politicamente correto”, que em sua sentença se preocupa mais com sua popularidade que com a justiça.
Mas há um outro ponto. Nesses casos de crimes horrendos, é correto que os acusados gozem da liberdade até decisão final somente porque têm “residência fixa e ocupação lícita”? Penso que não.
Entre os criminalistas ergueu-se com uma força irresistível o dogma da presunção de não-culpabilidade. Numa interpretação radicalista do inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, propõe-se que toda pessoa, por pior que seja o crime que praticou, não pode ser preso antes do trânsito em julgado da decisão final.
Imaginemos, então, que alguém que cometesse um verdadeiro massacre, tal como vimos há algum tempo em uma Universidade americana, e conseguisse sair ileso do incidente. Alguns dias após, passada a situação de flagrância, o bandido comparecesse espontaneamente perante a autoridade policial e confessasse a chacina, porém, apresentasse uma conta de luz em seu nome e uma carteira de trabalho assinada. Nesse caso, segundo defendem alguns criminalistas, ele não poderia ser preso provisoriamente, porque colaborou com a Justiça!
Ora, penso que deve haver um pouco mais de bom senso. Se houver indícios fortes de autoria de crime e esse for suficientemente grave, acredito que deva ser decretada a prisão provisória. Sei que isso que estou sustentando soará como heresia a muitos criminalistas. Porém, é inadmissível e atenta contra a ordem pública que acusados de crimes horrendos, contra quem haja provas contundentes, aguardem em liberdade a decisão final.

E para que sejam presos provisoriamente não é necessário descumprir a Constituição Federal. Basta que se aplique serenamente, mas com rigor, o artigo 312 do CPP, que determina a decretação da prisão provisória sempre que a liberdade do acusado represente um risco para a ordem pública.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

O legado de Osório

Na última sexta-feira, dia 18 de abril, comemoramos o Dia do Exército brasileiro. É célebre a frase do seu patrono, marechal Manuel Luiz Osório: "É fácil a missão de comandar homens livres, basta mostrar-lhes o caminho do dever". Penso que o lema de Osório deva ser meditado por todos aqueles que têm a missão de comandar homens livres: pais, professores, governantes, empresários, comandantes militares, líderes sindicais etc.
Talvez uma primeira indagação que nos propomos seja: será mesmo fácil comandar homens livres? E o interessante é que Osório coloca três ingredientes de radical importância para todo aquele que pretende comandar, para quem almeja ser guia de seus semelhantes: liberdade, caminho e dever.
E seriam esses ingredientes incompatíveis entre si? Para algumas ideologias ou correntes de pensamento liberdade e dever, ou liberdade e caminho seriam por si incompatíveis. Pensam assim aqueles que vêem a liberdade como ausência de “amarras” ou de regras.
No entanto, acredito que tal seja uma concepção errada de liberdade. Tomemos como exemplo um grupo de escoteiros que se aventura a empreender uma viagem por uma selva para eles desconhecida. Com esse objetivo, contratam um guia que conhece o caminho. No percurso, o guia irá dando várias instruções: “não pise aqui”, “siga nessa direção”, “cuidado com esse inseto”. Nessa situação, nenhum dos participantes da excursão ousará dizer: “esse guia tolhe a minha liberdade”. Ao contrário, estará seguro de que, sem suas instruções, não chegariam ao destino.
Imaginemos, ainda, um alpinista que se aventura a escalar uma montanha. Será possível que, em meio à escalada, ele, para exercer plenamente a sua liberdade, rompesse com as amarras e cortasse a corda que o mantém seguro? Seria uma idéia absurda, suicida.
Portanto, os escoteiros, por serem livres, podem seguir as instruções do guia ou não, o alpinista pode manter-se atado à corda ou cortá-la. A escolha certa, porém, representa o bom uso da liberdade, que os fazem exatamente por isso mais livres.
Estou certo de que a principal característica de todo educador, de todo aquele que se dispõe a comandar ou instruir seus semelhantes é ter um profundo respeito pela liberdade. Mas, sobretudo, que tenha uma noção exata do que é liberdade.
Mas Osório fala também em caminho. Temos um caminho? Temos uma missão? A resposta não é difícil. Penso que a única coisa que motiva verdadeiramente o ser humano é a felicidade. Não há quem não a queira, ainda que, por vezes, a busquem em “caminhos” nos quais ela não está. E onde ela estaria, então? Ora, está onde o mesmo Ser que criou o universo e tudo o mais que existe a colocou. E o grande desafio que dá sabor à vida é procurá-la todos os dias. E o educador, que se dispõe a conduzir homens livres, antes de mais nada, deve ser luz que aponta para esse caminho. É que encontrá-lo ou não o encontrar toca no anseio mais fundamental de todo ser humano: a felicidade.
E o dever? “Coisa chata”, muitos dirão. Mais que isso, podem questionar sobre “o que isso tem que ver com liberdade, caminho e felicidade?”. Penso que tem tudo a ver. É que o dever primordial e o rumo que norteou a vida de todos os homens e mulheres que hoje admiramos é o espírito de serviço aos demais.

Dizem que as palavras inspiram, mas o exemplo arrasta. De fato, educar homens livres é mostrar-lhes o caminho do dever. E o dever está em servir com alegria, sendo o próprio comandante (pai, professor etc.) um atraente exemplo de serviço. Deve ser alguém que encoraje os outros a segui-lo, posto que vale a pena ir atrás de quem encontrou o caminho da felicidade.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Decisões do casal

Todos nós, pais, encontramos inúmeras dificuldades na educação de nossos filhos. Por vezes, deparamo-nos com situações em que, por mais que nos esforçamos, não sabemos como agir. Devemos considerar, porém, que o problema, muitas vezes, não está propriamente no que decidir, mas em como decidir. Em suma, como deve o casal tomar suas decisões, em especial, aquelas que se referem aos filhos?
Penso que é muitíssimo importante que pai e mãe estejam bem afinados. Mas isso não é fácil. É natural que haja divergência entre o casal. Cada um tem critérios diferentes e pontos de vista que nem sempre coincidem. Por outro lado, as crianças, e também os jovens, percebem tudo. Mais que isso, eles têm uma sensibilidade que percebem as coisas no ar. Por exemplo, quando a mãe dá uma ordem, com a qual o pai não concorda, eles são capazes de notar a insatisfação dele no olhar, no suspiro, em sua feição. Sendo assim, como o pai e a mãe podem alcançar essa sintonia imprescindível para formar os filhos?
A sintonia entre o casal, diga-se, não pressupõe que ambos tenham sempre o mesmo ponto de vista. É normal que existam discordâncias, mais ainda, por vezes, é até bom que briguem, conquanto que longe das crianças. Mas sempre hão de chegar a um consenso. Por exemplo, suponha-se que o filho adolescente queira fazer uma viagem com os amigos. Pode ocorrer que o pai concorde e a mãe não, ou vice-versa. Cada um deverá expor suas razões, dizer os pontos favoráveis e os contrários e, ao final, decidirem. Mas pode acontecer que, mesmo após muita conversa, cada um mantenha o seu ponto de vista. Então, um terá de ceder. E o importante é que não seja sempre o mesmo que cede.
E uma vez tomada a decisão, perante os filhos, deve ser dada como sendo a decisão dos dois. Não há nada pior para o filho que receba uma ordem do tipo: “bem, por mim tudo bem, mas seu pai não quer...”. Ora, essa mensagem não transmite segurança para os filhos. Deixa neles a impressão de que não há certo e errado, que tudo depende do estado de ânimo do pai ou da mãe. No entanto, eles esperam que os pais lhes transmitam convicções seguras, que lhes digam o que é verdadeiramente bom para eles.
Além disso, aquele que cedeu não pode assumir a postura de “esperar para ver no que dá”. Tomemos como exemplo a situação em que o pai concordava com que o filho fosse passar uns dias na casa dos avôs e a mãe não, mas ela acaba cedendo. Depois ocorre de o garoto se machucar. Nesse caso, a mãe não tem o direito de dizer: “não falei, eu disse que ele não deveria ir...”. Tomada a decisão, não importa mais a opinião que prevaleceu. A decisão passa a ser de ambos.
Uma dica interessante é que o casal trate desses assuntos num ambiente agradável. Qualquer empresa de sucesso costuma manter uma sala de reuniões bem equipada. O casal, que administra uma empresa bem mais complexa, deve fazer o mesmo. Pai e mãe deveriam sair juntos, só os dois, uma vez por semana. E, dentre os assuntos, tratar da educação dos filhos. É que, num ambiente de descontração, é mais fácil analisar os problemas com objetividade, saber ouvir, saber ceder etc.

Há alguns anos, eu morava com minha família numa pequena cidade do interior do Estado. Ao final da tarde, ao ouvirem o apito do trem, as crianças gostavam de ir vê-lo passar. Por vezes havia duas locomotivas puxando os vagões. Para que a composição chegasse ao seu destino, vários fatores influem: condição dos trilhos, combustível adequado etc. Mas é imprescindível que ambas as locomotivas puxassem num mesmo sentido. Seria um fracasso se cada qual se colocasse em direções opostas. Isso é evidente. Porém, é exatamente isso que fazem com os filhos o pai e a mãe que não se esforçam seriamente por se afinarem e decidirem juntos sobre a educação deles.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Eleições

Estamos em ano de eleições municipais. Trata-se de um acontecimento importantíssimo para todos nós, brasileiros. Porém, há muitos cidadãos que se mantêm distantes. Gabam-se de não participar,  dizendo muitas vezes, orgulhosos de si: “Eu fico longe da política”, ou, mais enfáticos: “eu não me meto nessa sujeira”. São pessoas bem intencionadas, que, por ouvirem as denúncias de irregularidades, muitas delas sem punição dos políticos que as praticam, acreditam que, ao se manterem distantes, resguardam a própria honestidade e honradez. Mas será mesmo louvável essa apatia de muitos eleitores?
Penso que a democracia, com todos os seus defeitos e imperfeições, é, na atualidade, o melhor regime de político. É o que melhor se afina com a liberdade dos cidadãos e permite que eles influam ativamente nas decisões a serem tomadas na condução dos rumos da sociedade.
Vivemos numa democracia. E, como tal, os governantes são eleitos pelo povo e em nome de quem exercem (ou deveriam exercer) o Poder (parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal). E, se os governantes são sempre eleitos pelo povo, deixar de exercer o direito de votar é, em última análise, delegar aos demais cidadãos a sua atribuição de escolher os dirigentes.
E isso ocorre em todos os âmbitos. Por exemplo, o condômino que não comparece à assembléia de condomínio, o morador que não participa das associações de bairro e o eleitor que não comparece às eleições municipais, ou, comparecendo, não escolhe o melhor candidato, estão sendo omissos na condução dessas entidades que devem zelar pelo bem comum.
No fundo, e sempre ressaltando o profundo respeito por quem pensa de forma diferente, os omissos agem como Pilatos. Lavam as mãos diante da escolha que é feita. E mais, sentem-se depois legitimados a criticar os eleitos, afinal, “não votei em ninguém”. Ora, por não votar em ninguém é tanto mais culpado de que pessoas despreparadas ou mal intencionadas estejam ocupando cargos públicos.
E a omissão, a meu ver reprovável, não se limita ao fato de não votar. Mas também em se escolher mal. Há que se investigar o que pensa cada candidato acerca de cada assunto relevante. O vereador, o deputado e o senador são titulares de um mandato. Como tal decidirão em nosso nome na elaboração das leis.
Assim, quando falta essa vigilância do eleitor, falta legitimidade no exercício do Poder, e as decisões políticas tomadas deixam de refletir exatamente o que pensam os eleitores. E isso ocorre muitas vezes. Por exemplo, estatísticas mostram que a esmagadora maioria dos brasileiros é contra o aborto. No entanto, uma proposta que tenta “legalizá-lo” tem grandes chances de ser aprovada no Congresso Nacional. Como isso pode ocorrer? Por certo que os eleitores não investigaram a fundo o que pensam seus candidatos sobre o tema. De forma nenhuma estamos sustentando que não se deva votar em candidatos favoráveis ao aborto. Quem é favorável a isso escolhe legitimamente tais candidatos. Mas o eleitor tem o direito e o dever de investigar o que pensa o candidato sobre os temas relevantes e votar em quem pensa como ele. Isso é democracia representativa.
E também o exercício da atividade político-partidária não pode ser tida como um demérito, algo que vá comprometer a honestidade do cidadão. Ao contrário, penso que aqueles quem têm vocação profissional para a política deixar de exercê-la com honestidade e profundo comprometimento com a ética significa uma terrível omissão, que abre espaço para os desonestos e aproveitadores. Há quem pense, porém, que não é possível entrar na política sem se corromper. Ora, são os corruptos os únicos interessados em difundir essa idéia. Isso porque se todo político é desonesto (o que não é verdade), os verdadeiros desonestos estariam justificados, na medida em que simplesmente fazem o que “todo mundo faz”.

Certa vez li o relato do desabafo feito aos seus pais por um jovem que se perdeu no mundo das drogas. Dizia ele: “porque fostes fracos no bem é que fomos fortes no mal”. Penso que essa frase deve ser meditada por todo cidadão e servir de estímulo a não desanimar, a não renunciar os meios de que dispõem para construir uma sociedade melhor.