segunda-feira, 24 de março de 2008

O sentido das festas

Ontem celebramos a Páscoa. Em meio a ela, todos nós nos deparamos com pessoas saudosistas, freqüentemente mal-humoradas, a fazerem críticas azedas do tipo: “a Páscoa perdeu o sentido. Virou apenas comércio de chocolate”. E são as mesmas que repetirão frases semelhantes no Natal, Ano Novo, dia dos namorados, dia das mães, dia dos pais etc. Mas será que essas festas, tão arraigadas em nossa cultura, perderam mesmo o sentido?
É inegável que essas festas têm sua origem, ou assumiram características dadas pelo cristianismo. É bem verdade que a Páscoa judaica foi instituída bem antes. De qualquer forma, porém, a celebramos hoje em data e com contornos sugeridos por uma tradição cristã. Sendo assim, não obstante vivermos em uma sociedade em que a fé cristã vai perdendo sua força, é possível que essas festas mantenham o seu sentido originário a elas dado pelo cristianismo? Ou a Páscoa está condenada a ser exclusivamente oportunidade de negócios para o empresário que produz chocolate, o Natal para o fabricante de brinquedos e o dia dos Namorados para as floriculturas?
Penso que não. Essas festas contêm mensagens que são universais, e, portanto, aplicam-se a todos seres humanos. Independentemente do credo de cada um, elas propõem mudanças interiores que os façam mais humanos e, por conseqüência, mais felizes. E essa felicidade decorre da descoberta de um sentido da vida, seja em sua dimensão interior, seja no aspecto social.
A Páscoa, por exemplo, que é a festa que tivemos mais próxima, tem o sentido de passagem, que sugere uma mudança de vida. Assim, podemos nos perguntar como estamos nos portando com as pessoas de nossa família, com nossos filhos, pais e parentes. Será que estamos nos dedicando de verdade a essas pessoas que nos são próximas, sabendo renunciar a alguns caprichos para tornar mais amável a vida familiar?
Em nosso trabalho profissional também a Páscoa pode sugerir mudanças. Como estamos desempenhando as tarefas que nos cabem? Encaramos o trabalho como uma espécie de mal necessário? Ou, ao contrário, percebemos que, seja ele qual for, pode e deve ser uma oportunidade de tornar mais alegre a vida dos demais? Trata-se de fazermos com mais esmero aquilo que fazemos todos os dias, e de nos esforçarmos por sermos alegres e prestativos com os colegas, com os clientes, com as pessoas com quem convivemos em nosso dia-a-dia.
Certa vez tive uma grata satisfação de assistir a uma palestra em que o palestrante comparava a nossa vida à subida de uma encosta. E ele fazia a comparação para dizer que não era possível ficar parado: ou se subia, ou se despencava. Talvez seja isso mesmo. Ou nos esforçamos por fazer de nossos dias uma constante passagem para uma situação melhor, esforçando-nos por vencer os defeitos, o mal humor, os caprichos, o egoísmo que nos fazem ser pesados para os demais, ou nos afundamos cada vez mais nesses mesmos defeitos.
O tempo, por si só, não nos fará melhores nem piores. O vinho mal guardado vira vinagre, ao passo que o que for bem armazenado melhora com os anos. Algo de semelhante ocorre com todo ser humano. Quando se vale dos mil acontecimentos de cada dia para tornar mais alegre a vida dos outros, ele próprio se transforma por dentro, e vai se tornando uma pessoa melhor, com quem é agradável estar e conviver. Ao contrário, outra pessoa que ocupa as horas em pensar apenas em si, ainda que trabalhe muitas horas por dia, ainda que faça muitas coisas, por lhe faltar o essencial, vai se tornando cada vez mais insuportável.

Acredito sinceramente que a Páscoa não se transformou numa oportunidade para o fabricante de chocolate. Isso acontece com as pessoas que não estão dispostas a fazer de suas vidas uma eterna passagem. Uma passagem difícil, mas necessária e, ao mesmo tempo, alegre. Uma passagem que nos leva de nós mesmos para os outros, do nosso egoísmo para a nossa abertura aos demais. Em resumo: da tristeza para a felicidade.

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