Um dia desses tive um sonho que me deixou muito
pensativo. Estava eu numa recepção, não sei se de um hospital ou de um
laboratório, esperando minha vez para ser atendido. Ao meu lado havia um jovem
que aparentava ter uns dezesseis anos. Pela conversa da mãe dele com outra
mulher pude concluir que o rapaz teve um acidente que o fez perder a memória,
de modo que necessitava aprender tudo novamente.
Eu me distraía com uma revista que falava dos bailes
de carnaval. O jovem se mantinha atento ao que eu fazia. E pelo jeito já havia
aprendido a ler, pois se aproximou um pouco do meu assento e perguntou: “O que
é carnaval?”
Expliquei que é uma festa, na qual as pessoas se
divertem. Normalmente bebem grande quantidade de bebida alcoólica e depois pulam
e dançam a noite toda.
“Por que eles bebem essas bebidas?”, perguntou ele. “Porque
a bebida os deixa alegres. E isso lhes dá prazer”, respondi. “Quer dizer que se
bebermos essas bebidas ficaremos alegres para sempre?”, insistiu ele. “Não,
essa sensação dura apenas algumas horas”, expliquei-lhe.
Após alguns minutos de silêncio, nos quais pude me
dedicar a ler outra matéria, ele voltou a me interromper: “Moço, o que é
preservativo?”. Agora a tarefa ficou mais difícil. Mas com a mesma pedagogia
com que falo com meus filhos, expliquei-lhe, como a circunstância permitia, o
que é uma relação sexual, a função do preservativo etc., etc... Passado um
tempo, ele insistiu no assunto: “Mas se eles não querem ter filho, por que eles
fazem isso?...”. “É que a relação sexual também proporciona prazer às pessoas”,
respondi-lhe em tom baixo, agora temendo que alguém ouvisse essa estranha
conversa. “Ah! Acho que entendi!”, exclamou ele. E prosseguiu: “É assim. Se uma
pessoa gosta de bala e não quer engordar, pode comer sem tirar a casca. Se as
pessoas querem ...”. “É mais ou menos isso.”, interrompi eu sem deixar que
concluísse a frase. Mas ele insistiu: “E esse prazer aí dura quanto tempo?
Algumas horas, como o álcool?”. “Não, esse dura apenas uns minutos, ou
segundos...”, respondi olhando ao redor para ver se havia muita gente rindo da
conversa.
Em seguida, levantei, peguei agora o jornal e sentei
numa poltrona um pouco mais distante. Mas o jovem veio e se sentou ao meu lado.
Ele leu uma manchete e me perguntou: “Moço, o que é aborto?”. Ah, não! Era só o
que me faltava! Pensei eu com meus botões. Mas suspirei fundo e resolvi
explicar: “Aborto é a morte do feto no ventre da mãe”. “O que é feto?”,
perguntou ele. “É o bebê antes de nascer”. “E por que há aborto?”, insistiu. “Por
vezes isso acontece naturalmente, mas outras vezes é a própria mãe que o
provoca, sozinha ou com a ajuda de outras pessoas”, expliquei-lhe. “A mãe mata
o bebê na sua barriga? Por quê?”. “Porque ela não quer ter filho naquele
momento de sua vida”, respondi-lhe, sem que eu mesmo estivesse convencido da
resposta. Com sua lógica infantil, apesar da idade, ele perguntou: “Se ela não
quer ter filho por que ela fez aquilo...”. “É que aquilo dá prazer, lembra?”,
retruquei já sem paciência.
“Que horror!”, exclamou ele indignado. E voltou para
perto da mãe. Em seguida perguntou a ela: “Mãe, o que é mais importante, o
prazer ou a vida?”. Ela interrompeu prontamente a conversa que mantinha com a
mulher do lado e disse em tom sério e decidido: “A vida, meu filho. A vida é
muito mais importante que o prazer. Eu não sinto nenhum prazer em estar aqui
esperando para ser atendida. Mas faço isso com muito boa vontade porque amo
muito você, porque quero que você esteja bem e com saúde. E ao fazermos as
coisas por amor, somos felizes, ainda que o que fazemos não nos dê um prazer
sensível”. O filho suspirou aliviado e a abraçou muito carinhosamente.
Agora com o filho entre os braços, ela concluiu:
“Hoje em dia há muitas pessoas que vivem somente em busca do prazer que dura
apenas alguns minutos. Eu, você e o seu pai não queremos isso. Queremos a
alegria que dura para toda a essa vida..., e depois também para a outra. E
olha, vê se não fica fazendo perguntas para pessoas estranhas. O mundo hoje
está muito desorientado.”, disse ela abraçada ao filho, enquanto lançava contra
mim, com o canto dos olhos, um olhar de repreensão.
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