segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Aborto: é possível o diálogo?

Tem-se notado que os adeptos da chamada descriminalização do aborto têm, de certo modo, mudado o discurso. Afirmam agora que “ninguém é favorável ao aborto”, que deve mesmo ser evitado. Porém, dizem eles, manter a prática do aborto como crime somente aumenta os abortos clandestinos, com sérios riscos à vida ou à saúde da mãe.
Diante desse cenário, qual seja, de que o aborto é tido como uma conduta indesejável, inclusive pelos que defendem a descriminalização, os defensores do direito incondicional à vida desde a concepção e, portanto, contrários ao aborto, poderiam se unir àqueles, quiçá em programas comuns em favor da gestante?
A resposta é complexa. Primeiro há que se investigar a boa-fé dos que se dizem contrários ao aborto, mas favoráveis à descriminalização. É que muitas vezes, por detrás de um discurso aparentemente humanitário, há uma campanha muito forte no sentido de legalizar o aborto pura e simplesmente com um método de controle da natalidade. O propósito de poupar a vida e a saúde da gestante é colocado apenas como argumentos sentimentais para ocultar os reais fins visados. Com esses, evidentemente, não há a menor possibilidade de diálogo. O aborto, como forma de controle da natalidade, é inaceitável, já que atenta contra a dignidade da pessoa humana. É que essa não é apenas um número, mas um ser único e irrepetível em todo o universo.
Mas tomemos o discurso como verdadeiro, ou seja, que o foco da preocupação seja mesmo a vida e a saúde da gestante. Nesse caso, segundo eles defendem, com a descriminalização, a gestante deveria procurar as instituições de saúde públicas ou privadas que estariam autorizadas ao procedimento. Nelas teria todo um trabalho de acompanhamento, visando dar-lhe meios para levar a gravidez adiante. A mãe teria um acompanhamento psicológico e de outros profissionais afins, acenando-lhe, se caso, com a possibilidade de adoção posterior, tudo tendente a demovê-la desse propósito.
Muito bem. Mas suponhamos que a mãe, apesar de tudo isso se mantenha insensível e diga: “não, eu quero o aborto”. E então, o que fazer? Segundo essa concepção as clínicas seriam apenas uma espécie de “isca” em que a mãe vem para fazer o aborto, mas nela encontrariam profissionais que afastam dela esse propósito? Será que isso funcionaria? Ressaltando o profundo respeito que tenho pelos que pensam diferente,  acredito que é preciso muita ingenuidade para aceitar tais argumentos.
Dizem que não se quer estimular o aborto, mas tão-somente que deixe de ser crime. No entanto, descriminalizar é deixar o nascituro sem direito à vida. Como já sabem os juristas, nem tudo o que não é crime é lícito. Por exemplo, deixar de pagar uma prestação não é crime, como dizem, “não dá cadeia”. Mas nem por isso é correto. Quem não cumpre com suas obrigações poderá sofrer uma ação judicial de cobrança, ter seu nome inserido nos serviços de proteção ao crédito etc. Mas e o nascituro? Se deixar de ser crime o aborto, terá ele de contratar um advogado para obrigar a sua mãe a esperar por mais alguns meses até que nasça?
Se é possível alguma espécie de parceria entre uns e outros, penso que seja no desvelo pela gestante. Nós, que defendemos incondicionalmente a vida, diríamos a uma candidata ao aborto: “a maternidade é um dom precioso, talvez o mais nobre que o ser humano possui. As dificuldades com o pai, esposo, namorado é muito pouco diante da alegria de trazer um novo ser ao mundo”. Poderíamos levá-la a uma maternidade e sentir a alegria que envolve esse maravilhoso acontecimento. Ou chamá-la a ouvir o bater do coração do bebê, ver seus movimentos graciosos já no ventre da mãe, e talvez fazê-la sentir que o que ele está a dizer: “mamãe, eu estou aqui e quero ser amado”.
Mas não é só. Aquelas que tiveram a desgraça de fazer um aborto, também merecem atenção. Não diríamos a ela que “tudo bem”, que “as circunstâncias justificavam”. Diríamos com sinceridade que o ato foi horrível, mas que nem por isso ela deve se desesperar. Que sempre há uma saída para aqueles que buscam verdade. Que sempre é possível o perdão e a reconciliação.

Em Campinas há um trabalho, chamado de Serviço de Acolhimento à Gravidez Indesejada (acolhimentogravidez@hotmail.com; Fone: 19-9113-2532), que trabalha exatamente nessa linha. Os que lutam de verdade pela vida e pela gestante estão convidados a fazerem parte dessa equipe.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Volta às aulas

Em recente pronunciamento, o Presidente da República, após algumas considerações sobre a atuação do seu governo na educação, termina o seu discurso com uma frase que merece elogio. Disse ele: quero fazer um apelo a toda sociedade e, em especial às mães e pais de família:  participem ativamente da vida da escola de seus filhos, saibam como ela está se saindo na Prova Brasil, apóiem os professores. Mas também marquem em cima, cobrem resultados. Sejam parceiros dos seus filhos no aprendizado. E deixem claro para eles que estudar é importante para conquistar uma vida melhor e construir um país mais justo.
A educação é um direito, mas também um dever do pai e da mãe. Assim como os pais atuam diretamente no ato de trazer um novo ser ao mundo, incumbe-lhes, em primeiro lugar, a obrigação de formar o filho, ajudando-o a crescer como pessoa.
Nesse sentido, a escola atua na educação exercendo uma atribuição que lhe é delegada pelos pais, que são os principais responsáveis pela educação. Nenhuma escola, por melhor que seja, não pode ter a pretensão de substituir os pais na formação de seus alunos.
Isso implica que os pais têm o direito, mas sobretudo o dever de participar do que acontece na escola. E tal direito há não apenas nas escolas particulares, mas também e principalmente nas instituições públicas.
No entanto, o que muitas vezes infelizmente se observa é que as escolas querem compartilhar os problemas dos alunos com os pais. Querem dar-lhes sugestões e chamar-lhes à responsabilidade de participarem mais ativamente da formação de seus filhos, mas não conseguem sequer fazer com que participem das poucas reuniões a que são chamados.
Talvez isso seja conseqüência do consumismo exacerbado que marca nossa sociedade. Com efeito, pensa-se que todas as soluções são compradas, ou até mesmo adquiridas gratuitamente. Assim, se se está doente, contrata-se (ou procura-se um médico). Se se está vivendo uma crise existencial, contrata-se um psicólogo. Se se precisa de alimento, vestuário etc., vai até a loja e compra. E, nesse mesmo contexto, se  é preciso educar o filho, paga-se uma escola, ou, para os menos favorecidos, coloca-se o filho numa instituição estatal e pronto.
O que muitos de nós nos esquecemos, porém, é que mais que dar algo aos nossos filhos (saúde, roupa, comida, lazer ...), precisamos doarmos nós mesmos a eles. Arranjar tempo para estar com eles, e, numa convivência sadia, irmos nos ocupando de sua formação.
E nessa tarefa, mais que transmitir conhecimentos, o que pode até ser delegado para a escola, trata-se de uma missão primordial dos pais transmitirem aos filhos um sentido para suas vidas. Por dentro daqueles olhinhos inocentes, trazem eles uma grande indagação: “Papai, o que eu estou fazendo neste mundo?”. E o primeiro e principal fracasso na educação advém de não ter uma resposta bem clara e precisa a essa pergunta.
E um bom critério para avaliarmos se nossos filhos estão bem, se a formação que damos em casa e na escola está evoluindo satisfatoriamente, é avaliarmos se eles estão felizes. Com que triste freqüência encontramos hoje jovens e crianças cheios de brinquedos, videogames, produtos de última geração e, no entanto, no fundo estão cheios de tristezas e frustrações.
Penso que o grande segredo da educação seja o ato de se doar, de deixar marca na vida daquele que é ensinado. O professor, mais que gravar na memória do aluno uma equação matemática, deve ficar ele próprio como modelo de um homem ou de uma mulher que exalam alegria, paz e serenidade numa sala de aula, exatamente porque sabem amar. O pai e a mãe, mais que bons ensinamentos deixados através de palavras diariamente repetidas aos filhos, devem ser eles próprios modelos que arrastem e animem a lutar por imitá-los.

Certa vez disse numa palestra que os filhos esperam dos pais, já desde o primeiro instante, um exemplo de que a vida vale a pena. E alguém da platéia fez o comentário bem humorado: “talvez seja por isso que eles já nascem chorando...”. De fato, eles nascem chorando. Porém, eis aí o nosso grande desafio: transformar esse pranto em alegria.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Voltar a aprender…

Um dia desses tive um sonho que me deixou muito pensativo. Estava eu numa recepção, não sei se de um hospital ou de um laboratório, esperando minha vez para ser atendido. Ao meu lado havia um jovem que aparentava ter uns dezesseis anos. Pela conversa da mãe dele com outra mulher pude concluir que o rapaz teve um acidente que o fez perder a memória, de modo que necessitava aprender tudo novamente.
Eu me distraía com uma revista que falava dos bailes de carnaval. O jovem se mantinha atento ao que eu fazia. E pelo jeito já havia aprendido a ler, pois se aproximou um pouco do meu assento e perguntou: “O que é carnaval?”
Expliquei que é uma festa, na qual as pessoas se divertem. Normalmente bebem grande quantidade de bebida alcoólica e depois pulam e dançam a noite toda.
“Por que eles bebem essas bebidas?”, perguntou ele. “Porque a bebida os deixa alegres. E isso lhes dá prazer”, respondi. “Quer dizer que se bebermos essas bebidas ficaremos alegres para sempre?”, insistiu ele. “Não, essa sensação dura apenas algumas horas”, expliquei-lhe.
Após alguns minutos de silêncio, nos quais pude me dedicar a ler outra matéria, ele voltou a me interromper: “Moço, o que é preservativo?”. Agora a tarefa ficou mais difícil. Mas com a mesma pedagogia com que falo com meus filhos, expliquei-lhe, como a circunstância permitia, o que é uma relação sexual, a função do preservativo etc., etc... Passado um tempo, ele insistiu no assunto: “Mas se eles não querem ter filho, por que eles fazem isso?...”. “É que a relação sexual também proporciona prazer às pessoas”, respondi-lhe em tom baixo, agora temendo que alguém ouvisse essa estranha conversa. “Ah! Acho que entendi!”, exclamou ele. E prosseguiu: “É assim. Se uma pessoa gosta de bala e não quer engordar, pode comer sem tirar a casca. Se as pessoas querem ...”. “É mais ou menos isso.”, interrompi eu sem deixar que concluísse a frase. Mas ele insistiu: “E esse prazer aí dura quanto tempo? Algumas horas, como o álcool?”. “Não, esse dura apenas uns minutos, ou segundos...”, respondi olhando ao redor para ver se havia muita gente rindo da conversa.
Em seguida, levantei, peguei agora o jornal e sentei numa poltrona um pouco mais distante. Mas o jovem veio e se sentou ao meu lado. Ele leu uma manchete e me perguntou: “Moço, o que é aborto?”. Ah, não! Era só o que me faltava! Pensei eu com meus botões. Mas suspirei fundo e resolvi explicar: “Aborto é a morte do feto no ventre da mãe”. “O que é feto?”, perguntou ele. “É o bebê antes de nascer”. “E por que há aborto?”, insistiu. “Por vezes isso acontece naturalmente, mas outras vezes é a própria mãe que o provoca, sozinha ou com a ajuda de outras pessoas”, expliquei-lhe. “A mãe mata o bebê na sua barriga? Por quê?”. “Porque ela não quer ter filho naquele momento de sua vida”, respondi-lhe, sem que eu mesmo estivesse convencido da resposta. Com sua lógica infantil, apesar da idade, ele perguntou: “Se ela não quer ter filho por que ela fez aquilo...”. “É que aquilo dá prazer, lembra?”, retruquei já sem paciência.
“Que horror!”, exclamou ele indignado. E voltou para perto da mãe. Em seguida perguntou a ela: “Mãe, o que é mais importante, o prazer ou a vida?”. Ela interrompeu prontamente a conversa que mantinha com a mulher do lado e disse em tom sério e decidido: “A vida, meu filho. A vida é muito mais importante que o prazer. Eu não sinto nenhum prazer em estar aqui esperando para ser atendida. Mas faço isso com muito boa vontade porque amo muito você, porque quero que você esteja bem e com saúde. E ao fazermos as coisas por amor, somos felizes, ainda que o que fazemos não nos dê um prazer sensível”. O filho suspirou aliviado e a abraçou muito carinhosamente.

Agora com o filho entre os braços, ela concluiu: “Hoje em dia há muitas pessoas que vivem somente em busca do prazer que dura apenas alguns minutos. Eu, você e o seu pai não queremos isso. Queremos a alegria que dura para toda a essa vida..., e depois também para a outra. E olha, vê se não fica fazendo perguntas para pessoas estranhas. O mundo hoje está muito desorientado.”, disse ela abraçada ao filho, enquanto lançava contra mim, com o canto dos olhos, um olhar de repreensão.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Acidentes de trânsito

Há tempos um grande amigo fez um comentário, sugerindo que eu escrevesse algo sobre o mau exemplo que muitos de nós, pais, no trânsito damos aos nossos filhos. Dizia ele que observa, com indignação, como as mães e pais, ao se dirigirem afobados para o colégio, desrespeitam as regras de trânsito: passam no sinal vermelho, irritam-se com o que segue à frente porque não excede a velocidade permitida e, quando chegam ao destino, como se não houvesse outras pessoas além dela (ou dele) no mundo, param em fila dupla, e os outros que esperem.
Quando nos aventuramos a passar pelo centro de Campinas, o caos é ainda maior. O pedestre parece ignorar por completo as regras de trânsito. Faixa de pedestre? Mais parece um tipo de enfeite carnavalesco, ou qualquer outro tipo de adereço, pois a travessia se faz onde se quer e como se quer. O semáforo para pedestre também parece um tipo de luminoso de Natal. É que se passa no vermelho sem qualquer cerimônia e, de tanto desrespeitá-lo, quando está verde para o pedestre, não se confia, de modo que espera para ver se o carro vai parar mesmo.
Mas o pedestre não é, nem de longe, o grande vilão. Ao contrário, é muito mais vítima. Poucos sabem, ou se sabem não respeitam, a regra do artigo 70 do Código de Trânsito Brasileiro. Diz ela: Os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem, exceto nos locais com sinalização semafórica. Alguém se arriscaria a pisar numa faixa de pedestres e esperar que os veículos respeitem a preferência de passagem? Penso que a experiência já seria por demais arriscada num estacionamento de shopping, que dirá então numa via de grande circulação...
Uma vez, outro amigo me contou um fato que ocorreu com ele em uma viagem de trabalho que fazia pela Europa. Passeava ele, juntamente com dois colegas, um italiano e outro finlandês. Era um domingo à tarde e a cidade estava muito tranqüila. Aguardavam o sinal verde para atravessar uma rua, diante da faixa de pedestre. Ocorre que não havia absolutamente nenhum carro, de modo que o italiano iniciou a travessia, apesar do sinal vermelho. O meu amigo, como bom brasileiro, o acompanhou. O finlandês os seguiu distraidamente. Ocorre que, em meio à travessia, o finlandês notou que o sinal estava vermelho e começou a se lamentar indignadamente com os colegas latinos: “o que vocês fizeram! Eu nunca fiz isso na minha vida!”.
Outro fato aconteceu comigo. Atrasados, levava meus filhos para a escola. Descendo a avenida, notei que o sinal ficou amarelo. O tempo era suficiente para parar, mas, com a pressa, acelerei de modo que, em meio à travessia, o sinal ficou vermelho. Pensei que não havia causado mal a ninguém com isso. Porém, pouco tempo após, ouvi de minha filha, Maria Clara, então com quatro anos, a seguinte censura: “Pai, você passou no sinal vermelho?”. Tentei disfarçar, tentando contornar o mau exemplo: “Será filha? Acho que não, acho que ainda estava amarelo”. No entanto, ela estuda num colégio que se esmera de verdade na formação dos valores. Nesse trabalho, estimula-se o crescimento numa virtude através de um lema. Naquela época, a virtude trabalhada era a sinceridade e o lema: “Digo a verdade ainda que me custe?”. Diante da minha relutância em dizer a verdade, ela censurou prontamente: “Pai, sinceridade. Diga a verdade ainda que custe”. Que vergonha! Como se não bastasse infringir as regras de trânsito, ainda se tenta disfarçar o erro, mentido ao invés de ao menos assumi-lo!

Agora que estamos no carnaval, quando nos chegam tantas notícias tristes de acidentes de veículos, quase todos motivados pela imprudência de nossos motoristas, façamos a seguinte indagação: como estamos educando nossas crianças para que sejam responsáveis no trânsito? Afinal, quando não se há respeito no trânsito, não há, em última análise, respeito à vida.