quarta-feira, 28 de março de 2007

Será apenas uma chama?

Muitos sábios e poetas já tentaram definir o amor, e todos eles, apesar de muito se esforçarem e intuírem, ficam aquém do que o amor verdadeiramente é. Feita essa ressalva, confesso que gosto muito da poética definição de Camões:
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
O amor é mesmo fogo, chama que arde na alma sem que saibamos de onde vêm, com surgiu, nem por quê. Negar isso seria negar um aspecto relevante e fácil de se constatar no amor. Basta lembrarmos daquele enamoramento da adolescência ou da juventude, ou mesmo depois, quando bastava ouvir uma voz, um nome, sentir o cheiro de um perfume para que nos inundasse um estremecimento que gela a espinha e faz bater mais forte o coração.
Penso que esse sentimento, esse estado da alma, é amor. Porém, uma questão relevante é saber se o amor é só isso, mas ainda, se se resume a esse estado anímico.
E a dúvida não é somente minha. Vinícius de Moraes também, ao dizer do amor, expõe seu grande temor:
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Será que o amor é apenas esse enamoramento, essa chama? Será que estamos destinados a passar uma vida procurando por ele para, ao final dela, tal como teme Vinícius, concluirmos que são não é imortal, posto ser chama? Pior, será que estamos destinados a passar a vida procurado por ele, num namoro aqui, num casamento desfeito ali, e, ao cabo dessa trajetória, olhando nossa vida passada, vislumbrarmos breves lampejos, separados por grandes vazios e escuridão, talvez marcados por procuras de “outros amores”?
Do fundo da alma, acredito que não. É que se esquece de outra definição de Camões, tão importante quanto a primeira:
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
Sim, amor é fogo, mas um fogo que pode ser alimentado para reluzir sempre renovado por toda a vida, conquanto que “é um cuidar”, é doação, entrega. E isso não pode se reduzir a considerações teóricas sobre os versos de Camões, mas há de se traduzir em detalhes concretos de nosso dia a dia. Trata-se de se esmerar na delicadeza no trato, evitando as críticas azedas, em saber elogiar, reconhecer o esforço do outro, em acolher e amparar quando se passa por momentos difíceis, como uma doença, em compartilhar as alegrias. Em suma, em saber dizer mais com gestos do que com palavras que é na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.
Após essas considerações, fica mais fácil agora entender o pronunciamento do Papa Bento XVI, ao afirmar que o divórcio é uma praga para os cristãos. O Santo Padre não disse em momento algum que se há de recriminar os divorciados. Mas está ele a afirmar, com palavras fortes, para que ouçam os ouvidos mais débeis, que o amor é sim fogo, “eros”, como ele define em uma de suas encíclicas, mas é também doação, “agape” (entrega), e é precisamente por esse último que se pode manter a chama acesa por toda a vida, uma chama que quanto mais se queima, mais se renova e mais bela e pura permanece.
O que apaga a chama é o egoísmo, que leva a pessoa a buscar apenas o próprio prazer e a satisfação pessoal em uma relação, usando (abusando) do outro para isso. E nesse caso, é claro que a chama se apaga, posto que nela se atira um cardo podre de ambição egoísta.

O Vinícius que me desculpe, mas é possível sim alimentar esse fogo por toda uma vida, conquanto que se atire nele, todos os dias, a lenha perfumada de uma entrega total.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Lição de mãe

Quem conseguiria conter as lágrimas ao contemplar o beijo doloroso que a mãe do João Hélio deu na mãe da Alana Ezequiel, após a Missa de sétimo dia, celebrada no último dia 12, na Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro? Assim como a maternidade é, em muitos aspectos, incompreensível para nós, homens, penso que a dor de uma mãe também não pode ser compreendida em toda a sua profundidade por quem não sabe amar com um coração de mãe.
E nós, que não passamos por isso, nem experimentamos tão profundo sofrimento, ficamos como que perdidos, perplexos e atemorizados. Tememos que suceda o mesmo conosco, e não desejamos isso, ao mesmo tempo em que não sabemos bem ao certo o que fazer para consolar essas e muitas outras mães que sofrem, e nem como lutar para que essas brutalidades não se repitam.
Talvez se voltarmos nossa atenção para um acontecimento que marca a essência do cristianismo, possamos vislumbrar uma luz e um alento nesses tempos de penumbra e desolação. Todos já ouvimos de uma forma ou de outra, o relato da morte de Cristo na Cruz. Talvez nos passe despercebido, porém, que ao despregá-Lo do madeiro, deixaram-No por uns instantes nos braços de sua Mãe, que também chora. Derrama-se em dores por essa morte brutal e violenta de Seu Filho, que somente passou fazendo o bem.
Essa Mãe é capaz de entender em toda a profundidade e extensão a dor da mãe do João Hélio e da mãe da Alana Ezequiel, porque sentiu em sua alma a mesma dor.
Mas nós, que vemos de longe a mãe do João, a mãe da Alana e a Mãe de Jesus, ainda continuamos como que sem entender e sem saber o que fazer. Mas é que não olhamos de verdade e a fundo para elas.
A Mãe de Cristo, passados aqueles momentos de dor, uniu-se aos seus discípulos, aqueles que em breve inundariam o mundo com uma doutrina completamente nova. Esse pessoal sairia pregando aos quatro cantos do mundo que “não há maior prova de amor que aquele que dá a vida por seus amigos”, que “quem quiser perder a sua vida vai ganhá-la, mas quem quiser salvá-la, vai perdê-la”, vão dizer ainda que “quem não tome a sua cruz de cada dia e O segue não é digno de ser discípulo do Mestre”. E esses poucos malucos, apoiados por aquela Mãe, haveriam impregnar o mundo com a sua doutrina, com uma doutrina simples, compreensível por pescadores e marceneiros, mas profundamente bela, capaz de serenar com paz e alegria os corações que a acolheram.
E a mãe do João Hélio, ora, de novo uma mãe!, vinte séculos após, vem nos dar lição semelhante. Poderia ficar em casa, chorando, tomando anti-depressivos, esperando um legítimo consolo dos seus amigos e familiares. Não faria nada de mau se agisse assim. Porém, não, não foi assim. Saiu de sua casa e do aconchego dos seus e foi consolar outra mãe, que também chora e sofre.
Temos de aprender a lição das mães! Se o momento é mau, se as notícias são ruins e desalentadoras, façamos como elas. Não fiquemos encerrados em nosso mundinho. Trata-se de afogar o mal em abundância de bem. Os jovens e crianças de nosso tempo anseiam que lhes mostremos um sentido para suas vidas. Eles não pegarão em armas, não usarão drogas, não precisaram do ruído das festas raves para abafar o anseio irreprimível de felicidade e eternidade que trazem dentro de si, se nós os mostrarmos, mais com o exemplo do que com palavras, que a vida vale a pena.
E o sentido para a vida nos dão essas mães, sempre dispostas a esquecerem de si para fazer mais bela e amável a vida aos demais.

Termino revelando um segredo, caro leitor, um segredo que deve ser espalhado aos quatro cantos: o único problema que marca o nosso tempo é a grande carência de pessoas que saibam amar como ama um coração de mãe.

quarta-feira, 14 de março de 2007

À minha aluna

Cara Ana Paula, vi sua foto no jornal, portando uma arma na mão e, desde então, não pude conter o desejo de falar-lhe algo. Confesso, porém, cara aluna, que não sabia como fazê-lo. Fui juiz corregedor dessa cadeia de Indaiatuba e passei várias sextas-feiras próximo às grades ouvindo das presas: “Doutor, quando sai a minha condicional”, “doutor, e o meu semi-aberto”. Mas agora não posso nem devo ir até aí. Tampouco seria de bom tom escrever-lhe uma carta. Decidi, então, que a melhor forma seja dizer em público, nesta coluna, até para que possa compartilhar com os leitores o profundo pesar que sente um mestre que não soube ser entendido.
Em nossas aulas de direito civil na UNIP você se mostrava atenciosa. Gostaria então de revisar uma aula, e nela não se pode tirar nota ruim, pois nesse assunto a avaliação quem a dá é a vida. Refiro-me àquele dia em que falamos de justiça e de direito natural.
Eu vos disse ... droga! Será que não soube explicar bem?! Que a justiça é dar a cada um o que é seu. Cheguei a citar alguns exemplos, lembra?: “que o pai e a mãe devem dar carinho e educação aos seus filhos, pois, assim o fazendo, estão dando a eles o que lhes é devido”; “que o filho deve dar respeito aos pais, porque também isso lhes é devido”; “que o devedor deve pagar suas dívidas, que não se deve contrair dívidas que não se sabe se irá honrar”. Não lhes disse que não se pode pegar em armas para roubar, mas nem era necessário, afinal, isso era para o professor de direito penal, essas matérias de menos importância que o direito civil... (lembra-se de que eu brincava com isso?).
Lembra-se de quando tentei explicar para vocês que existe um direito positivo e um direito natural? Quando vos disse que o direito natural está gravado no coração de cada ser humano? Eu quis dizer, e agora repito, que todos nós temos uma lei moral natural gravada no mais íntimo de nosso ser. Essa lei natural antecede e é pressuposto de validade do direito positivo.
Quando se descumpre uma lei positiva, o artigo 157 do Código Penal, por exemplo, há uma sanção que o Estado proporciona ao infrator, você sabe disso. Mas o pior disso tudo, querida aluna, e talvez eu não tenha sabido explicar bem, é que o direito natural diz que temos de amar a Deus e ao próximo como a nós mesmos, e, por esse imperativo de amor, devemos respeitar a vida, a liberdade e o patrimônio dos outros.
Quando se descumpre o direito natural, não há sanção externa. Ninguém vai para a cadeia porque descumpre o direito natural. A conseqüência de se descumprir a lei moral natural é interna: não se alcança a felicidade a que estamos chamados a viver por desígnios do Criador. E o que eu quis dizer é que não há pena pior que a que se sofre por não ser feliz. E a felicidade está em nosso coração, basta que o abramos aos demais.
Soube pelos jornais que você começou a abafar a voz dessa lei natural numa dessas festas badaladas. Talvez dessas que a Câmara Municipal tentou impedir, mas depois recuou com medo da impopularidade. Eu me esqueci de dizer a você e aos seus colegas que no mundo há lobos disfarçados de cordeiro. Há quem, para ganhar o voto de alguns jovens, defendem essas festas suicidas. Mas não são cordeiros, são lobos astutos, que em troca de votos, empurram vocês para a morte.

Seja como for, cara aluna, não se aflija em demasia, por mais duro que seja esse cárcere. Dentro de poucos dias estaremos celebrando a Páscoa, e saiba que Deus enviou seu Filho para nos salvar. Para dizer a verdade, é apenas isso que me moveu a escrever-lhe: quando você for ser interrogada por um juiz humano, a confissão dos crimes lhe renderá, provavelmente, uma condenação; porém, perante o Juiz Divino, uma boa confissão lhe renderá de imediato a absolvição e, com ela, a vida eternamente feliz para a qual aponta essa lei natural que continua gravada em seu coração, ainda que, por vezes, você tenha insistido em não escutá-la.

quarta-feira, 7 de março de 2007

Adeus

Um dia desses um de meus filhos me perguntou: “Pai, qual é a pior coisa que lhe pode acontecer?”. Ele perguntava isso porque algo que havíamos programado deu errado, e talvez ele pensasse que responderia que aquilo é o que de pior pudesse acontecer. Mas a resposta à pergunta dele de há muito que já tenho na ponta da língua, de modo que respondi sem hesitar: “O pior que pode acontecer com um pai é perder o filho. Filho, nada de pior me pode ocorrer que isso”.
Basta que um pouco se viva para se notar que nesta vida muitas contrariedades, dissabores, fracassos e dores haveremos de passar. O mistério da dor sempre acompanhou a história da humanidade e não há nenhum ser que não a tenha experimentado nos muitos ou poucos anos que por aqui passaram.
Confesso ao leitor, porém, que por mais que tento teorizar sobre a dor e a morte, não me vem outra idéia na cabeça que não lembrar da voz serena do Rui Motta nas poucas conversas que tivemos por telefone. Como deve estar sofrendo esse grande homem, em especial porque muito sofrem os que muito amam! De fato, caro Rui, não há nada mais dolorido que perder um filho.
Quanta sabedoria contém a frase do ROGÉRIO VERZIGNASSE em sua coluna de 24.02.2007: E que essa experiência, doída sirva para amolecer cada coração. A gente precisa acreditar que o corpo se vai, mas o amor é eterno.
De fato, a dor não é inútil, acaso o fosse Deus feito homem não a teria padecido no grau extremo de se deixar pregar numa Cruz.
Se é que isso lhe serve de consolo, caro Rui, digo-lhe que sua dor me fez rever um conceito que eu tinha por certo. É que a perda de um filho não é o que de pior pode acontecer com alguém. É, por certo, o que de mais doloroso nos pode suceder, mas a dor não é necessariamente ruim.
Lembro-me agora de uma cena do filme Paixão de Cristo, do Mel Gibson. Trata-se da passagem em que, carregando a Cruz, Ele se encontra com Sua Mãe. Naquele instante, vem à mente dela uma recordação da infância do menino, que, brincando, sofre uma queda e ela amorosamente se lança para socorrê-Lo, apanhá-Lo e afagá-Lo em seus braços. Naquele momento, por certo que o carinho materno supera e muito a dor da queda. Mas depois a cena do filme volta ao “presente”, e nesse o Filho carrega uma Cruz enorme, e cede ao peso insuportável e cai violentamente. A Mãe, novamente se adianta em vir reconfortá-Lo. Dá para imaginar a dor dessa Mãe? Que mal Seu Filho havia feito?
Dá para imaginar a dor, agora bem mais atual, da mãe do João ao vê-lo sendo arrastado pelas ruas da cidade até o martírio?
E qual a razão disso?
Não sei. De momento não vejo explicação melhor que a do Rogério: amolecer o nosso coração. Um convite a esquecermos de nós mesmos e nos dedicarmos aos outros enquanto é tempo.
Talvez mais um motivo: carpe diem. Aproveitemos essa vida, mas não com uma conotação egoísta que a distorção da expressão pode sugerir. Aproveitemos esse dia, o único que temos, para fazermos o bem aos que nos cercam, sem nos preocuparmos com o ontem, que já passou, nem com o amanhã, que não sabemos se chegará para nós.
Caro editor e amigo (posso chamá-lo assim?), que o Deus que sentiu na própria carne a experiência da morte que levou a Anita, e que Sua Mãe, que sentiu no peito a dor que agora sente, lhe dê o consolo e lhe façam ver o que querem de você com essa provação tão dolorosa.

Por fim, ao menos uma vez, quero não lhe dar trabalho e preocupação: não excedi o máximo de caracteres de que disponho nesta coluna.