Um dia desses presenciei uma discussão muito
interessante entre dois de meus filhos. Havíamos retornado há poucos dias do
litoral. O Rafa, de 3 anos, voltou com um medo terrível do mar, tanto que
sequer permitia tocar os pés na água. O motivo é que o irmão maior lhe dissera
que ali havia jacarés. E incutiu tal medo no irmão até bem intencionado, para
evitar que entrasse sozinho no mar, com riscos de acidentes. Mas o fato é que
ficou com um medo excessivo, e a irmã Maria Clara, de cinco anos, tentava
afastar o temor. Nesse intento, perguntou ela: “Rafa, por que você tem medo do
mar?”. “É que o José disse que tem jacaré lá”, respondeu ele. Ela então passou
a argumentar: “No mar não tem jacaré. Jacaré é você quando entra no meio da
onda para vir até a praia”. O garoto entendeu ao pé da letra a frase “jacaré é
você...” e retrucou imediatamente aos gritos: “EU NÃO SOU JACARÉ! EU SOU FILHO
DO MEU PAI!”.
Confesso que achei muita graça no diálogo das
crianças, principalmente no mal-entendido que ensejou a frase final. Porém,
passado algum tempo, pus-me a meditar nela e achei muito interessante o
conceito que ele tem de si próprio: “sou filho do meu pai”. E não demorou para
que me surpreendesse fazendo a mesma indagação: e eu, quem eu sou? Se alguém
nos perguntasse “quem você é?”, talvez pensássemos em responder o nome. Porém,
mais que isso, essa pessoa, que tem esse nome, no fundo quem é? E as indagações
poderiam ir um pouco além: De onde vim? Para onde vou? O que estou fazendo
aqui?
Todos nós nos fazemos, num momento ou noutro, tais
indagações. É muito comum, porém, abafá-las. Fazemos com elas o mesmo que
talvez já tenhamos feito com algum objeto ou documento importante, mas que traz
um problema que não queremos resolver, e então os guardamos numa gaveta, num
armário ou num baú. No entanto, um dia, procurando por alguma coisa lá o
encontramos. E então cuidamos de guardá-lo de novo, pensando “um dia eu resolvo
isso, agora não”. Enquanto isso, vamos levando a vida: trabalho, casa,
diversão, sucessos, decepções, segunda, terça, quarta, ... e, de novo,
segunda-feira.
Dizem alguns cientistas que o Universo começou de uma
grande explosão. Tudo bem, mas se começou assim ou não, o fato é que em um
determinado momento se formou um planeta. E nele se formaram homens e mulheres.
E dentre muitíssimos outros seres humanos estou eu, com um irreprimível anseio
de viver e ser feliz. Será que esse Sujeito que bolou essa grande explosão foi
Ele quem me criou com esse desejo de felicidade? Será que Ele é bom a ponto de ter
como saciar essa vontade? Ou, ao contrário, brinca com esses seis bilhões de
seres humanos que povoam a face da terra, talvez dizendo de si para si: “esses
bobalhões querem ser felizes mais eu os precipitarei num abismo”.
Da minha parte, confesso que prefiro pensar que esse
Sujeito que me colocou aqui o fez por amor. Do contrário, nada faria sentido.
Nem as maldades de muitos seriam percebidas, posto que somente as vemos com um
mal porque há o bem com que confrontá-las.
Se há algo que é certo em nossa existência é que um
dia nascemos e um dia morreremos. Disso ninguém duvida. Isso ninguém questiona.
Ora, o que sai de um ponto e caminha até outro está de passagem, o que é
evidente. Mas será que essa passagem é de um nada para lugar nenhum? Ou, ao
contrário, quem criou tudo isso nos espera ansiosamente para saciar toda essa
ânsia de amor em plenitude que carregamos em nossas entranhas?
Rafinha, como é sábia a sua frase! Vou repetí-la
muitas vezes, buscando a sabedoria na simplicidade de uma criança: “Sou filho
do meu Pai”. Quem saberia encontrar uma definição mais completa para nossa
existência? Essa definição acaba com qualquer crise existencial, posto que traz
a explicação a todas as dúvidas que guardamos no baú. Somos todos filhos de um
Pai, que nos colocou aqui por amor, para que, caminhando como irmãos, cheguemos
um dia ... ao Pai.