segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Crises existenciais

Um dia desses presenciei uma discussão muito interessante entre dois de meus filhos. Havíamos retornado há poucos dias do litoral. O Rafa, de 3 anos, voltou com um medo terrível do mar, tanto que sequer permitia tocar os pés na água. O motivo é que o irmão maior lhe dissera que ali havia jacarés. E incutiu tal medo no irmão até bem intencionado, para evitar que entrasse sozinho no mar, com riscos de acidentes. Mas o fato é que ficou com um medo excessivo, e a irmã Maria Clara, de cinco anos, tentava afastar o temor. Nesse intento, perguntou ela: “Rafa, por que você tem medo do mar?”. “É que o José disse que tem jacaré lá”, respondeu ele. Ela então passou a argumentar: “No mar não tem jacaré. Jacaré é você quando entra no meio da onda para vir até a praia”. O garoto entendeu ao pé da letra a frase “jacaré é você...” e retrucou imediatamente aos gritos: “EU NÃO SOU JACARÉ! EU SOU FILHO DO MEU PAI!”.
Confesso que achei muita graça no diálogo das crianças, principalmente no mal-entendido que ensejou a frase final. Porém, passado algum tempo, pus-me a meditar nela e achei muito interessante o conceito que ele tem de si próprio: “sou filho do meu pai”. E não demorou para que me surpreendesse fazendo a mesma indagação: e eu, quem eu sou? Se alguém nos perguntasse “quem você é?”, talvez pensássemos em responder o nome. Porém, mais que isso, essa pessoa, que tem esse nome, no fundo quem é? E as indagações poderiam ir um pouco além: De onde vim? Para onde vou? O que estou fazendo aqui?
Todos nós nos fazemos, num momento ou noutro, tais indagações. É muito comum, porém, abafá-las. Fazemos com elas o mesmo que talvez já tenhamos feito com algum objeto ou documento importante, mas que traz um problema que não queremos resolver, e então os guardamos numa gaveta, num armário ou num baú. No entanto, um dia, procurando por alguma coisa lá o encontramos. E então cuidamos de guardá-lo de novo, pensando “um dia eu resolvo isso, agora não”. Enquanto isso, vamos levando a vida: trabalho, casa, diversão, sucessos, decepções, segunda, terça, quarta, ... e, de novo, segunda-feira.
Dizem alguns cientistas que o Universo começou de uma grande explosão. Tudo bem, mas se começou assim ou não, o fato é que em um determinado momento se formou um planeta. E nele se formaram homens e mulheres. E dentre muitíssimos outros seres humanos estou eu, com um irreprimível anseio de viver e ser feliz. Será que esse Sujeito que bolou essa grande explosão foi Ele quem me criou com esse desejo de felicidade? Será que Ele é bom a ponto de ter como saciar essa vontade? Ou, ao contrário, brinca com esses seis bilhões de seres humanos que povoam a face da terra, talvez dizendo de si para si: “esses bobalhões querem ser felizes mais eu os precipitarei num abismo”.
Da minha parte, confesso que prefiro pensar que esse Sujeito que me colocou aqui o fez por amor. Do contrário, nada faria sentido. Nem as maldades de muitos seriam percebidas, posto que somente as vemos com um mal porque há o bem com que confrontá-las.
Se há algo que é certo em nossa existência é que um dia nascemos e um dia morreremos. Disso ninguém duvida. Isso ninguém questiona. Ora, o que sai de um ponto e caminha até outro está de passagem, o que é evidente. Mas será que essa passagem é de um nada para lugar nenhum? Ou, ao contrário, quem criou tudo isso nos espera ansiosamente para saciar toda essa ânsia de amor em plenitude que carregamos em nossas entranhas?

Rafinha, como é sábia a sua frase! Vou repetí-la muitas vezes, buscando a sabedoria na simplicidade de uma criança: “Sou filho do meu Pai”. Quem saberia encontrar uma definição mais completa para nossa existência? Essa definição acaba com qualquer crise existencial, posto que traz a explicação a todas as dúvidas que guardamos no baú. Somos todos filhos de um Pai, que nos colocou aqui por amor, para que, caminhando como irmãos, cheguemos um dia ... ao Pai.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Guarda compartilhada

Muito se tem debatido sobre o projeto de lei que pretende instituir em nosso ordenamento jurídico a chamada guarda compartilhada. Analisei o texto apresentado e penso que será um grande avanço. Mais que isso, se bem aplicada, poderá trazer muitos benefícios aos filhos de pais separados, divorciados ou que, por outros motivos, não mais convivem juntos. No entanto, os conceitos precisam estar bem esclarecidos, pois uma interpretação distorcida pode trazer conseqüências indesejáveis tanto para os filhos quanto para os pais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente. Assim, quando os pais se separam e a um deles é conferida a guarda, a esse caberá decidir sobre os aspectos mais relevantes da vida do filho, como a escolha do colégio, plano de saúde, a formação religiosa, dentre muitos outros.
O que o projeto pretende fomentar é que a guarda, em regra, seja atribuída conjuntamente ao pai e à mãe mesmo após a separação.
Não há dúvida de que seria muito bom que pai e mãe decidissem juntos sobre a educação, a saúde, o lazer e a formação moral e religiosa dos filhos. O problema que surge, no entanto, é que isso exige muita sintonia e grande abertura para o diálogo entre os pais. E após uma separação não é comum que eles estejam em condições de manter tal nível de diálogo. Aliás, mesmo para os casais que vivem juntos já não é fácil encontrar tal sintonia que lhes permita decidir de comum acordo sobre a formação dos filhos.
Essa dificuldade, porém, não serve como argumento contrário à aprovação da lei. Talvez tenha certa dose de razão quem a qualifica como utópica. De qualquer sorte, porém, fica como uma iniciativa para que os pais sejam sensatos e se disponham a sacrificar-se para ao menos educar juntos os filhos comuns.
Quando se fala em guarda compartilhada, é também necessário afastar alguns equívocos que se cometem. Um deles é pensar que guarda compartilhada implicará igual período de convivência com o pai e com a mãe. Ou seja, pensa-se que, nesse sistema, o filho ficará uma semana (ou mais ou menos tempo) na casa do pai, e, posteriormente, igual período na casa da mãe. Com o devido respeito dos que pensam diferente, isso seria muito ruim, sobretudo para os filhos menores. É que eles precisam ter um lar, com uma rotina que lhes proporcione segurança, de modo que as constantes mudanças de casa geram insegurança e não poucos problemas na formação.
E talvez esteja aqui já uma distorção da idéia inicial que motivou a guarda compartilhada. É que alguns pais separados pensem nela como uma forma de desfrutar mais do convívio com os filhos, como se eles fossem simples brinquedos forjados para satisfazer aspirações egoístas. No entanto, é exatamente o oposto. Trata-se de cada qual se dedicar mais à sua formação do filho, ainda que, para tanto, sejam necessários períodos maiores de convívio.

Nunca me esquecerei da frase proferida por um filho meu após ele presenciar uma discussão que tive com a minha esposa. Disse-me ele: “eu prefiro muito mais que você brigue comigo do que fale desse jeito com a minha mãe”. É inegável que uma separação causa um grande mal para os filhos. A afirmação de que a separação é dos pais e não deles com os filhos, de certa forma, serve apenas para forjar um consolo para os próprios pais, mas de maneira nenhuma convence os filhos de que isso não afetará o relacionamento com eles. No entanto, para os filhos que já passaram pela imensa dor da separação, penso que será de grande alento ver que o pai e a mãe se esforçam por conversar decidir juntos e em sintonia ao menos os aspectos mais relevantes de suas vidas.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Tragédias anunciadas

O mundo ficou estarrecido com a notícia do jovem que matou vários alunos  e uma professora numa escola da Finlândia, após o que pôs fim à sua própria vida. Quando nos deparamos com tragédias como essa, talvez o que mais nos intriga é indagar os motivos que levam uma pessoa a tomar tal atitude.
Não sou psicólogo. Também não disponho de conhecimento técnico nem de dados para supor o que se passava com esse infeliz que pôs cabo à sua existência terrena de maneira tão triste. Mas penso que o incidente pode nos levar a pensar sobre os mecanismos de inclusão e exclusão existentes em nossa sociedade. É que ninguém ignora que o fator desencadeante, e talvez a causa de tragédias dessa natureza, seja a incapacidade de ser aceito e amado no meio social em que se vive, mais que isso, é a falta de sentido da vida.
Lembro-me agora das primeiras aulas que tive em um colégio em que estudei a partir do segundo ano do ensino médio. Vinha de uma pequena cidade do interior, onde estudei em escolas públicas. Naquela cidade grande, tudo era estranho. Via filhinhos de papai riquinhos cuja conversa eram viagens à Disney, intercâmbio cultural e muitas outras coisas que me eram totalmente desconhecidas. Desde aquele momento se notava os critérios para ser ou não ser da “turma”: freqüentar ou não freqüentar tal clube, ser dos que estudavam muito, ou ser dos preguiçosos nos estudos, ingerir ou não bebida alcoólica etc. Felizmente não tive muita dificuldade em encontrar amigos com quem me identificasse e ter a “minha turma”. Mas confesso que sempre me causou certa inquietação por saber qual foi o destino daqueles colegas “esquisitos”, que se isolavam no canto da sala, que não tinham amigos, talvez porque não se identificassem com o que gostavam, pensavam ou faziam os demais.
Na Universidade não foi muito diferente. Há os que freqüentavam as festas badaladas e os que não, os que se dedicavam com esmero aos estudos e os que “estudavam para passar de ano”, os que eram de direita e os que eram de esquerda. E uma vez formada a turma, o que mais faziam seus integrantes era criticar os que “estavam de fora”.
É interessante notar que os critérios de exclusão e inclusão com que nos deparamos no colégio e na Universidade, de certa forma, perduram por toda a vida e assumem em outros ambientes contornos mais cruéis. Nas empresas, costumam ser isolados aqueles que não contam com a simpatia do chefe, pois, quando tiver de “rolar a cabeça”, os seus amigos podem cair juntos. Isso sem contar os conchavos e as uniões e desuniões por puro interesse, daqueles que não vêem nos semelhantes pessoas, mas degraus para serem subidos.
Lembro-me de uma conversa que tive com o meu avô (que saudades daquelas estórias intermináveis das vésperas de Natal!). Lembro-me que contava a ele que conheci um bom sujeito na Universidade, mas que não conseguia me aproximar dele, afinal, ele não gostava de tomar uma cervejinha conosco no centro acadêmico. Mas o meu avô me respondeu imediatamente: “não é apenas o gosto pela cerveja que pode ser algo em comum de modo a alimentar uma amizade. Eu gosto de tomar pinga, mas eu tinha um tio que não bebia, mas éramos grandes amigos. É que gostávamos de caçar e então a conversa sobre caça nos mantinha juntos. Se você quiser, sempre achará coisas em comum com qualquer pessoa. E isso pode ser o começo de uma grande amizade”.
Quanto bem me fez essas considerações do meu avô! De fato, é claro que todos somos diferentes entre si, mas o que importa é encontrarmos, com qualquer pessoa, o que une, não o que divide. E há um ponto em comum em todo ser humano: é que todos possuem um irreprimível anseio de amar e ser amado tal como é. E para isso basta que as pessoas se esforcem por compreender, não para serem iguais ao demais, afinal, cada um é único e irrepetível.

Se o jovem finlandês soubesse disso!... Se você e eu também nos portássemos de forma coerente com isso!...

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Celibato, amor e ..., o Jabor

Em recente artigo publicado, o jornalista Arnaldo Jabor fez duras críticas ao celibato, à Igreja Católica e ao próprio Papa. Em sua matéria, Bento XVI foi taxado de “burocrático, implacável, com seus olhos duros e cruéis”. Confesso que, como cristão católico, as críticas injustas e grosseiras ao Santo Padre doem como uma cusparada atirada na face de um pai.
Diante disso, o primeiro impulso é de devolver a ofensa no mesmo nível. Porém, não sem esforço, consegui conter-me. E obtive tal êxito por dois motivos. Primeiro porque admiro o Jabor, que com incansável esforço defende a ética e o resgate de valores tão em desuso em nossa nação. Segundo, e principalmente, porque me calhou de ler as palavras do primeiro Papa, escrita há quase dois milênios, que são muito claras acerca da forma que devemos nos portar em situações como essas:
“Glorificai Cristo Senhor em vossos corações, sempre prontos para responder a todo aquele que vos pedir a razão da vossa esperança; mas fazei isso com doçura e respeito, tendo uma boa consciência, para que, naquilo em que vos caluniam sejam confundidos aqueles que difamam a vossa boa conduta em Cristo” (Primeira Carta de São Pedro, Cap. 3, 15-16). Assim, como há muito defende a Igreja, passo a responder às críticas com respeito.
Ao contrário do que afirma o Jabor, a pedofilia não tem como causa a castidade a que são chamados todos os cristãos, mas exatamente na falta dela. Aliás, é a mais alta expressão da falta de pureza de coração.
Cada um sabe da luta pessoal nesse assunto.  Mas, há dezesseis anos casado com a mesma esposa, causa-me muita alegria e paz considerar a fidelidade vivida nesses anos todos.
Como é bom chegar à casa ao final do dia e receber os abraços de crianças que se atiram ao pescoço do pai e beijá-las com a serenidade de quem não teve olhos para outra mulher que não a mãe deles. O não olhar para o outdoor, para a “barriguinha de fora” de jovens sedutoras, o fazer-se de desentendido diante de insinuações de mulheres bonitas não causam irritação, cara amarrada, ou algo do tipo. Ao contrário, ao passar por tudo isso por amor a uma esposa a quem um dia se jurou que é para sempre, faz sentir uma fantástica sensação de vitória. É como que se conseguisse guardar o coração em uma caixa de ouro, bem fechada e, ao final do dia, entregar a ela a chave e dizer: “meu amor, é só para você, abra!”.
Penso que é isso a castidade vivida no casamento. Mas há também a castidade que se vive no celibato. E, em boa matemática, não é muito grande a diferença. Se considerarmos que o mundo tem 6 bilhões de pessoas (não sei se esse número é real). Se considerarmos ainda que metade disso é mulher, a diferença entre um homem casado e um celibatário é que o primeiro não tem olhos para 2.999.999.999 mulheres e o segundo para três bilhões. Mas ambos vivem isso, não de mãos trêmulas e ares carrancudos. É que somente quem mantém os instintos submetidos à razão é que podem ser donos de si e, por sê-lo, doarem-se aos demais. E não há alegria e paz maior que a vivida por aqueles que se dão generosamente aos demais.
Em sua homilia, pronunciada durante a canonização do Frei Galvão, o Papa Bento XVI, com a voz carregada de emoção, disse às mais de oitocentas mil pessoas presentes: “o Papa vos ama, porque Cristo vos ama”. E a multidão foi ao delírio. Com o carinho bem brasileiro, respondiam: “Bento, Bento...”. Ninguém, exceto os de olhos turvos e mal-intencionados, via ali um Papa burocrático, nem muito menos de olhos duros ou cruéis. Viam um pai amoroso e zeloso por dizer aos filhos, com todas as suas forças, o caminho da verdadeira felicidade.
É antiga a incompreensão acerca da castidade que a Igreja Católica prega desde sempre. O primeiro Papa já nos advertia: “Pois já basta que no tempo passado tenhais feito a vontade dos gentios, entregando-vos à libertinagem, às paixões, à embriaguez, aos excessos do comer e do beber, e à abominável idolatria. Por isso é que os infiéis estranham agora que não os acompanheis nessa libertinagem desenfreada, e enchem-vos de calúnias” (1 Pedro, 4, 3-4).

Como é insuportável ao mundo os que se portam de forma coerente com a fé cristã! Pedro, o primeiro Papa, foi martirizado. Bento XVI, o Papa atual, é criticado injustamente. Mas em um ponto, o Jabor tem razão: é inútil tentar mudar as regras milenares. É que a verdade perdura desde sempre e para sempre, gostem ou não aqueles que, talvez por maus exemplos de pessoas da própria Igreja, jogaram fora a sua fé.