Diante da morosidade
e dos demais problemas que enfrenta o Poder Judiciário, tem-se buscado soluções
alternativas para os conflitos, muitas delas direcionadas a estimular que os
próprios litigantes encontrem a conciliação. Penso que a idéia é muito
interessante. Porém, não pode ficar adstrita aos meios forenses. Ao contrário,
somente atingirá o efeito esperado se contar com o apoio de toda a sociedade.
Diz-se que a
finalidade da jurisdição, função primordial do Poder Judiciário, é a pacificação
com justiça. Trata-se de uma nobre e ao mesmo tempo ousada missão a de
restabelecer a paz entre as pessoas, abalada pela existência de conflitos travados
com seus semelhantes. Essa afirmação nos remete, porém, para outros
questionamentos: o que é paz? E o que é justiça?
Quando uma pessoa
pode dizer sinceramente “estou (ou vivo) em paz?”. Trata-se de um conceito que
transcende à existência de conflitos. Nem muito menos se identifica com a
ausência de problemas. Afinal, não existe pessoa que não os tenha, de modo que
vincular a paz interior à ausência de problemas é simplesmente condenar-se a
não ter paz.
E a justiça tem
muito que ver com a paz. É que a justiça consiste em dar a cada um o que lhe é
devido. Assim, haverá justiça uma sociedade na medida em que os indivíduos que
a compõem se empenham de verdade em dar ao semelhante o que é seu. E isso em
todos os aspectos: familiar, profissional, social etc. Nesse sentido, é justo o
pai que dá atenção ao filho, pois, ao fazê-lo, lhe está dando o que é devido.
Por igual razão, são justos o esposo e a esposa que são fiéis, pois com isso
dão um ao outro o que lhe é devido. Enfim, é justo o empregador que respeita os
direitos do empregado, como o é o empregado que trabalha com diligência e
dedicação.
Assim exposto o que
são justiça e paz, fica clara a enorme dificuldade, para não dizer
impossibilidade, de o Poder Judiciário fazer verdadeira justiça e trazer a paz
aos cidadãos, ao menos com toda a profundidade que isso implica. Com efeito,
como pode o pai ser instado a ser prestativo e dedicado? E o mesmo ocorre
também quando a questão é predominantemente econômica, como por exemplo, o
atraso no pagamento do salário. É que, mesmo que o empregado consiga após anos
receber o dinheiro a que tinha direito, o que ele realmente esperava é que sua
remuneração fosse paga em dia.
Nesse sentido, penso que o máximo que se pode esperar do Judiciário é que
faça, coercitivamente, aquilo que quem estava obrigado não o fez de forma
espontânea, punindo ainda, de alguma maneira, quem viola o direito alheio.
Uma situação de justiça na sociedade, porém, jamais poderá ser alcançada
exclusivamente pela atuação do Judiciário. É que a justiça que verdadeiramente
se espera pressupõe que cada qual seja muito exigente consigo mesmo no sentido
de dar ao outro o que lhe é devido.
Além disso, não vivemos isolados, mas, ao contrário, relacionamo-nos com
nossos semelhantes, de modo que podemos ajudá-los a resolver os muitos
conflitos em que se envolvem. Não se trata de instituir uma espécie de “bisbilhotice”
institucionalizada, de modo que cada qual se sinta no direito de invadir a vida
dos outros a pretexto de apaziguar os seus conflitos. Porém, com delicadeza e
com profundo respeito pela liberdade, pode se dar conselhos oportunos, fazendo
ver o outro lado do problema.
Nesse momento em que tanto se fala em soluções
alternativas para os conflitos, temos de forjar a firme convicção de que é
missão de todos construir a paz na sociedade. Para isso temos de aprender a
olhar para cada pessoa como um ser humano, que sofre e chora com os com seus
conflitos, e que nos esforcemos por amparar-lhes. Do contrário, a tão sonhada
pacificação com justiça não passará de mera ilusão, ou, se preferirem, perfumaria jurídica.
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