Causou profunda
indignação em muitos brasileiros a imagem exibida nos noticiários de uma
autoridade do governo, comemorando a notícia de que o lamentável acidente aéreo
podia ter como causa falha na aeronave. Haveria uma explicação razoável para a
comemoração em meio à tão grande tragédia? E essa indagação inicial nos conduz
a outra, mais profunda: qual é a missão que deve desempenhar toda e qualquer
autoridade?
Se cada um de nós
buscássemos de verdade o autoconhecimento, e, por esse caminho, entendermos melhor
a natureza humana, talvez não nos indignássemos tanto com a reação do Senhor
Ministro. É que há uma tendência natural para uma certa complacência conosco
mesmos, buscando sempre desculpas para os nossos erros. Isso é bem nítido já
nas crianças. Tomemos como exemplo uma briga entre garotos, quando perguntamos
o que aconteceu, resposta inicial será: “foi ele que começou”, ou “ela estava
me irritando”, ou ainda “ele deu o primeiro soco”. Dificilmente encontraremos
um reconhecimento claro e sem rodeios da responsabilidade pelo incidente.
E não pensemos que
isso é coisa de crianças. Ao contrário, nos adultos, se não houver um esforço
por conhecer-nos melhor e lutar contra os próprios defeitos, essa tendência
pode até se agravar e assumir características de crueldade mesmo. Cada um de
nós sabe exatamente o que acontece quando algo sai errado no seu local de
trabalho... O mais comum é procurar culpados que afastem a própria culpa.
Não pretendo
justificar a atitude do assessor do governo, e tampouco acusá-lo. Não é esse o
objetivo dessas considerações. Mas é preciso que tenhamos bem claro que não se
constrói uma nação melhor e mais digna se não entendermos a fundo a natureza
humana.
Mas há o outro
aspecto da questão, qual seja, o verdadeiro papel que deve exercer a
autoridade.
Há algum tempo, um
colega relatou-me como foram suas primeiras experiências na magistratura
paulista. Dizia ele que conheceu uma juíza que se gabava de estar em uma
comarca muito interessante, pois a tratavam como uma “semi-deusa”, que só
faltavam descerrar um tapete vermelho por onde passava... E o meu amigo
comentava com decepção essa postura: “puxa, será que para ela ser juíza é
somente isso?”. Mas ele também relata a sua satisfação ao conhecer outro
colega, com uma visão completamente diferente, que dizia a ele que a comarca dele
era um excelente lugar para se trabalhar, pois havia problemas com menores
infratores, e outras situações conflituosas, que por certo dariam muito
trabalho, mas que, com bom senso e dedicação, poderia prestar um excelente
serviço para reverter aquele quadro.
Há um filme infantil
da Disney, Mulan, do qual
também podemos tirar uma interessante lição sobre como deve ser exercida a
autoridade. No filme, a China está sendo invadida, e o Imperador convoca uma
pessoa de cada família para defender a nação. Em determinado momento, os
invasores avançam, e um assessor do Imperador sugere a ele que envie mais
soldados para proteger o palácio, ao que ele responde que não: “mande os
soldados para proteger o meu povo”.
Nós, que exercemos alguma forma autoridade, deveríamos meditar nisso: o
que legitima o exercício da autoridade é o serviço que, com ela, podemos
prestar aos demais. De fato, trazemos uma tendência inata de nos desculparmos,
de atirar a responsabilidade nos outros. No entanto, cientes dessa tendência, há
de se ter um esforço constante por superá-la, por esquecer-se de si próprio, da
própria imagem e vaidade desenfreada, para nos dedicarmos com afinco e
abnegação por esses nossos semelhantes, tão sedentos de justiça. Sem esse
empenho forte e decidido, andaremos sempre à procura de culpados por nossas
omissões, todas elas indesculpáveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário