segunda-feira, 30 de julho de 2007

A autoridade em exame

Causou profunda indignação em muitos brasileiros a imagem exibida nos noticiários de uma autoridade do governo, comemorando a notícia de que o lamentável acidente aéreo podia ter como causa falha na aeronave. Haveria uma explicação razoável para a comemoração em meio à tão grande tragédia? E essa indagação inicial nos conduz a outra, mais profunda: qual é a missão que deve desempenhar toda e qualquer autoridade?
Se cada um de nós buscássemos de verdade o autoconhecimento, e, por esse caminho, entendermos melhor a natureza humana, talvez não nos indignássemos tanto com a reação do Senhor Ministro. É que há uma tendência natural para uma certa complacência conosco mesmos, buscando sempre desculpas para os nossos erros. Isso é bem nítido já nas crianças. Tomemos como exemplo uma briga entre garotos, quando perguntamos o que aconteceu, resposta inicial será: “foi ele que começou”, ou “ela estava me irritando”, ou ainda “ele deu o primeiro soco”. Dificilmente encontraremos um reconhecimento claro e sem rodeios da responsabilidade pelo incidente.
E não pensemos que isso é coisa de crianças. Ao contrário, nos adultos, se não houver um esforço por conhecer-nos melhor e lutar contra os próprios defeitos, essa tendência pode até se agravar e assumir características de crueldade mesmo. Cada um de nós sabe exatamente o que acontece quando algo sai errado no seu local de trabalho... O mais comum é procurar culpados que afastem a própria culpa.
Não pretendo justificar a atitude do assessor do governo, e tampouco acusá-lo. Não é esse o objetivo dessas considerações. Mas é preciso que tenhamos bem claro que não se constrói uma nação melhor e mais digna se não entendermos a fundo a natureza humana.
Mas há o outro aspecto da questão, qual seja, o verdadeiro papel que deve exercer a autoridade.
Há algum tempo, um colega relatou-me como foram suas primeiras experiências na magistratura paulista. Dizia ele que conheceu uma juíza que se gabava de estar em uma comarca muito interessante, pois a tratavam como uma “semi-deusa”, que só faltavam descerrar um tapete vermelho por onde passava... E o meu amigo comentava com decepção essa postura: “puxa, será que para ela ser juíza é somente isso?”. Mas ele também relata a sua satisfação ao conhecer outro colega, com uma visão completamente diferente, que dizia a ele que a comarca dele era um excelente lugar para se trabalhar, pois havia problemas com menores infratores, e outras situações conflituosas, que por certo dariam muito trabalho, mas que, com bom senso e dedicação, poderia prestar um excelente serviço para reverter aquele quadro.
Há um filme infantil da Disney, Mulan, do qual também podemos tirar uma interessante lição sobre como deve ser exercida a autoridade. No filme, a China está sendo invadida, e o Imperador convoca uma pessoa de cada família para defender a nação. Em determinado momento, os invasores avançam, e um assessor do Imperador sugere a ele que envie mais soldados para proteger o palácio, ao que ele responde que não: “mande os soldados para proteger o meu povo”.

Nós, que exercemos alguma forma autoridade, deveríamos meditar nisso: o que legitima o exercício da autoridade é o serviço que, com ela, podemos prestar aos demais. De fato, trazemos uma tendência inata de nos desculparmos, de atirar a responsabilidade nos outros. No entanto, cientes dessa tendência, há de se ter um esforço constante por superá-la, por esquecer-se de si próprio, da própria imagem e vaidade desenfreada, para nos dedicarmos com afinco e abnegação por esses nossos semelhantes, tão sedentos de justiça. Sem esse empenho forte e decidido, andaremos sempre à procura de culpados por nossas omissões, todas elas indesculpáveis.

Chamas

Não sei o que se passou com você, caro leitor, mas quanto a mim, confesso que a imagem da aeronave em chamas me causou uma impressão muito forte, que penso que jamais conseguirei apagar da memória.
De fato, foi um verdadeiro “tsunami brasileiro”, tendo em vista o número de vítimas. Pior, a causa de nossa tragédia não foi um maremoto, um acontecimento da natureza, totalmente inevitável e imprevisível. Ao contrário, ao que tudo indica, em grande parte foi decorrente da incompetência das autoridades encarregadas de gerir nosso sistema de transporte aéreo, num verdadeiro descaso com a vida humana. Mas não é essa a abordagem que pretendo fazer. Afinal, é só disso que a mídia tem cuidado em relação ao assunto, qual seja, procurar culpados.
Porém, além de se investigar as causas da tragédia, o que é imprescindível, até para se evitar erros semelhantes no futuro, penso que acontecimentos como esse pode nos motivar a repensar na nossa própria vida. Como estamos preenchendo os nossos dias?
Há um filme da Disney, Toy Story, que vale a pena assistir com as crianças, em que os personagens são os brinquedos de um garoto. Um deles, um boneco espacial chamado Buzz Lightyear, no início não sabe que é brinquedo e pensa que é um patrulheiro espacial de verdade. O outro personagem, o xerife Woody, cansado de discutir com Buzz, perde a paciência e grita bem alto: “VOCÊ É UM BRINQUEDO!”. Parece brincadeira, mas penso que seria necessário dizer a mesma coisa, e bem claramente, a muitas pessoas: “VOCÊ É UM SER HUMANO!”. E como todo homem e toda mulher que já passaram por este planeta, um dia vai morrer.
Ainda que pareça um pouco macabro, é de grande utilidade pensar que estamos de passagem nesta vida. É que quando se tem isso em conta, é muito mais fácil perdoar as pessoas de quem guardamos mágoas ou ressentimentos. Considerar que a vida é breve nos motivará a relevar os muitos incidentes do dia-a-dia, com os familiares, conhecidos e colegas de trabalho. Saberemos  tirar importância das coisas, a não ficar criando caso ou aumentando o tamanho dos problemas por pura imaginação. Também há de nos motivar a nos engajarmos em obras sociais de ajuda aos menos favorecidos, pois isso deixará as marcas das boas obras por onde passamos. Levar-nos-á também a nos dedicarmos mais, enquanto é tempo, à esposa, ao marido, aos filhos e aos amigos. Enfim, procuraremos ter um relacionamento mais estrito com Deus, a crescer na fé.
Naquele avião deveria ter pessoas que ali entraram carrancudos, pegaram seus jornais, sem ao menos olhar a quem estaria ao lado, por vezes maquinando em suas mentes sobre como ganhar mais dinheiro, de forma lícita ou ilícita, talvez ainda pensando em como tirar proveito de alguma situação ou em como puxar o tapete do sócio ou do colega de trabalho. Enfim, seguiam com o pensamento e a vida voltados exclusivamente para si, para os próprios projetos, desejos, totalmente indiferentes aos demais. Mas haveria, por certo, outras tantas, que souberam dizer boa tarde à comissária, que talvez tenham rezado pelo comandante, que foram solícitos com uma mãe que estivesse em apuros com uma criança chorosa, que agradeceram com um sorriso o serviço prestado pela aeromoça. Todos morreram, é verdade. Mas quais deles preencheram melhor seus últimos minutos? Quais deles aproveitaram melhor todos os minutos de suas vidas?

Sim, caro leitor, é preciso recordar sem medo: você vai morrer, e eu também. Então, como estamos vivendo os minutos que nos restam? E não tenhamos dúvida de que a alegria verdadeira nesta vida somente se consegue se a transformamos num autêntico serviço ao próximo. E essa alegria, que muitas das pessoas que estavam no vôo traziam consigo, ultrapassa as chamas. Mais que isso, após esse grande salto que todos nós haveremos de dar um dia, aquela alegria atinge a sua plenitude, transformando numa eterna felicidade, ou, se preferirem, numa feliz eternidade.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Expectativas no casamento

Tempos atrás tive o privilégio de participar de um seminário, promovido por uma instituição que promove os valores da família, com sede em São Paulo, que tinha como tema Expectativas e Realizações no Casamento. Além de muito divertido, pois os palestrantes conseguiram transmitir as idéias recheadas de bom humor, explorando de forma pitoresca os problemas da vida conjugal, o evento foi enriquecedor, e, no meu caso, tem sido fundamental na luta por manter a harmonia no ambiente familiar. Por esse motivo, há algum tempo gostaria de compartilhar isso com o leitor.
Dada a sua complexidade, não é possível que o esgotemos aqui. Mas poderemos ao menos explorar os pontos principais. E, nesse intento, o faremos em duas oportunidades. Nessa primeira, abordamos as expectativas e, numa outra oportunidade, falaremos das realizações na vida conjugal.
Um resumo do que esperam os noivos antes do casamento, ou mesmo já nos primeiros meses da vida conjugal é mais ou menos o seguinte: o homem acredita que a mulher não vai mudar nunca, e ela acha que, com o tempo, conseguirá convencê-lo a mudar. É claro que isso nem sempre acontece, mas é muito freqüente que o rapaz, muito mais interessado nos dotes físicos atraentes dela que em outra coisa, esqueça que, com o passar dos anos, as coisas não permanecerão tão impecáveis assim.
Ela, por outro lado, com poucos meses de casada, já percebe que ele tem muito que melhorar para construírem um lar de verdade. Já sabe, por exemplo, quais são as prioridades dele: (1) o futebol e a cerveja com os amigos; (2) a pescaria; (3) o trabalho profissional; (4) o almoço de domingo na casa da mamãe; (5) ...; (n) ela, e ainda assim apenas para ...
Há uma inegável dose de exagero nisso, mas serve para ilustrar que, sem que  percebam, muitos jovens casais estão construindo sobre a areia, sem a menor possibilidade de que esse empreendimento, apesar de tão nobre, nasça com a solidez que dele se espera.
É muito importante que haja o sentimento no relacionamento entre os noivos e os esposos, que haja uma atração, sem o que não se uniriam. O ruim é colocar nisso a única base de sustentação da vida conjugal. É que os anos passam, há o desgaste natural de qualquer relacionamento, e podemos nos perguntar: o que fica? E é aí que podem vir as frustrações ou a realização.
Explico melhor. Se ele tomou a decisão de se unir a ela unicamente motivado pela atração física (ou fisiológica) que ela lhe despertava, por certo que isso não vai durar muito. Ela, por outro lado, se buscava apenas alguém que substituísse o pai que teve, ou que sonhou ter para a paparicar, também há poucas chances de alcançar suas expectativas.
O que há que se esperar, então, para não se frustrar?
Confesso ao leitor que tampouco eu sabia a resposta, tanto que parei o artigo aqui disposto a abandoná-lo. No entanto, tive a fortuna de conhecer um casal de amigos nossos que por certo não se zangarão que relate o que lhes ocorreu.
Ele, um dia encontrou por acaso o nome e o endereço de uma moça, que jamais conheceu, e então resolveu enviar a ela um cartão de Natal. Ela o respondeu e passaram a trocar correspondência. Isso perdurou por dois anos, até que se conheceram pessoalmente. Enquanto correspondiam por cartas, sequer fotos trocaram, exceto uma que ele a enviou, mas a imagem era tão longínqua que não se divisavam seus traços. E sabe de que falavam? De sonhos, projetos, do que pensam, gostam, enfim, do que são de verdade. Somente após isso é que tiveram o primeiro contato e hoje se contempla um casal que se ama de verdade, com filhos, em suma, felizes porque souberam construir uma família sobre a rocha.
Puxa, penso eu agora, mas que isso tem que ver com expectativas no casamento? No fundo não sei. E para piorar, o computador parece não ajudar. Peço socorro a minha filha – esses jovens são peritos em informática, e relato a ela o meu drama, e tenho de concluir quais são as verdadeiras expectativas do casamento. Ela, percebe a minha ansiedade, dá-me um beijo carinhoso e diz: “não se preocupe, pai, você consegue, nós estamos aqui para te ajudar...”.

Até a próxima semana, agora com as realizações.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

O que os filhos esperam dos pais?

Muitos de nós, pais, temos sabemos o que esperamos de nossos filhos: que sejam felizes, que alcancem ao longo de suas vidas os verdadeiros “bens”. Mas, e quanto a eles, o que os filhos esperam dos pais?
Em primeiro lugar, o amor. Mas não como se imagina em um primeiro momento. Refiro-me ao amor dos pais entre si, pai e mãe. O amor dos pais pelos filhos vem apenas em seguida. E eles sentem segurança na exata medida em que se sentem amados por dois seres insubstituíveis que, acima de tudo, se amam, e que, além disso, se complementam na tarefa de educá-los. Por isso, caro pai, aqui vai um primeiro recado de seu filho: “Papai, você tem renovado o amor pela mamãe?”.
Também os filhos esperam ser educados, isto é, encaminhados a alcançar os verdadeiros bens para serem felizes. E aqui ousamos formular uma pergunta fundamental: “Quais são estes verdadeiros bens?”. De fato, estamos num terreno muito pessoal, onde pai e mãe devem conversar muito para descobrirem juntos seus valores e crenças primordiais.
Nossas crenças e valores são sustentados por uma inteligência bem formada, uma vontade rija e uma afetividade equilibrada que nos motiva e orienta por esta estrada da vida rumo à felicidade. Isto requer um projeto educativo completo que abarque todos os pontos acima mencionados. É que aqui está em jogo não apenas a felicidade de nossos filhos, mas também nossa realização pessoal enquanto pais.
De todos estes valores e qualidades, tenho que seja importante falar um pouco sobre a VONTADE. A inteligência é um farol que ilumina o caminho, mas é a vontade que nos faz caminhar. Sendo assim, educar a vontade é uma tarefa primordial dos pais. Mais do que a inteligência, o que diferencia os homens é a vontade.
E só desenvolvemos uma vontade forte exercitando-a em fazer o que se deve a cada momento. Só conseguiremos vencer os grandes desafios se quisermos vencer os pequenos: levantar e ir dormir na hora determinada, estudar ou trabalhar com empenho, concluindo bem cada atividade, ocupando de um modo sadio o nosso tempo de descanso em realizar atividades que requerem menos esforços, em suma, ponderando a cada dia o que pode ser melhorado e lutando por fazê-lo.
Como pais, isto requer de nós uma contínua auto-exigência. Para ajudar nossos filhos a desenvolver esta vontade precisamos exigi-los. É isto o que chamamos exercer a autoridade que nos cabe. Os filhos têm o direito de serem exigidos em tudo o que lhes torna melhores como pessoas. Nós, como pais, temos o dever de saber o que e como exigir-lhes. Não fazê-lo, seria privá-los de algo essencial.
Isso não quer dizer que devamos transformar nossos lares em quartéis. Ao contrário, para exigir-lhes devemos apoiar-nos em seus aspectos positivos e, a partir deles, ajudá-los a superar os que estão mais fracos. Por exemplo, se nosso filho é generoso, apoiemo-nos nessa característica para fomentá-lo a ser mais organizado com seus objetos e assim contribuir para o bem-estar de todos em casa.
Nossos filhos esperam que lhes dediquemos tempo. Só faremos tudo isso se estivermos disponíveis. Penso que foi algum pai que inventou a frase de que “é preciso qualidade e não quantidade de tempo junto aos filhos”. Na verdade, são precisos os dois. Não se ignora que todos temos de trabalhar longas horas hoje em dia para mantermos nossas famílias. Contudo, com um pouco de esforço, podemos retirar tempo de onde não suspeitávamos. Basta que repensemos o modo de como passar o fim de semana, a leitura, o trabalho e a TV. Não precisamos nos privar de nada disso, basta que, fazendo cada coisa ao seu tempo, escolhamos as prioridades. E alguém poderia me dizer algo mais essencial que educar bem os filhos?
Os filhos esperam de nós bons exemplos. Para ensinar tudo isso, é preciso que nos esforcemos por viver o que se ensina. Nossos filhos buscam inspiração mais no nosso exemplo de luta por melhorar do que em nossas palavras ou em nossa conduta “impecável”. Há motivo maior para tentarmos ser melhores?

Que pai poderia sentir-se realizado na vida se descuidasse de cumprir da melhor maneira sua maior e mais importante tarefa: SER PAI. Não há sucesso profissional que compense o fracasso no lar.

Realizações no casamento

Marta e Pedro estão casados há mais de vinte anos, porém, tempos atrás, o casamento não andava muito bem. Durante a crise, Marta chegou a pensar que o problema não eram mais as brigas com o marido, que já foram muito freqüentes, mas uma certa apatia que começou a dominar-lhe. “Sinto-me sem vontade de enfrentar uma tentativa de reconciliação, confidenciou ela com uma amiga. Se eu tentar conversar, ele vai acabar por ceder, sairemos para jantar, mas, depois, ele continuará com os mesmos defeitos, voltaremos a nos desentender, e daí começará tudo de novo. Acho que cansei”.
A amiga aconselhou-lhe a procurar um orientador familiar. Explicou que é uma profissão ainda pouco conhecida no Brasil, mas já reconhecida em alguns países do mundo. Marta, que no fundo desejava salvar o casamento, aceitou o conselho, de modo que ela e o marido procuraram o profissional.
Após algum tempo de orientação, a relação com o marido melhorou muito.
Agora que o nosso tema é realizações no casamento, penso que seja muito interessante ouvir o relato que eles próprios fazem:
“Uma das observações mais sábias que o orientador me fez”, começa contando Marta à amiga, “foi dizer que os nossos defeitos nos outros são insuportáveis. De fato, me dava nos nervos ver quando meu marido deixava a escova de dente sobre a pia após usá-la, e isso era suficiente para dar início a uma briga. Mas é que eu também não sou organizada com as minhas coisas. Por exemplo, era freqüente deixar minha bolsa sobre a mesa da sala. Percebi, então, que, por não ser eu uma pessoa ordenada, é que as desordens dos outros me irritam tanto. E agora chega a ser engraçado observar que, por ter me esforçado, venci o meu defeito e não mais me incomoda as desordens do meu marido”.
“Outra coisa que eu e meu marido aprendemos foi respeitar as diferenças que há entre o homem e a mulher, o que até então não entendíamos”. Continuou ela, “por exemplo”, continuou ela, “o homem, em regra, costuma olhar para o conjunto e não observa os detalhes, ao contrário da mulher. Assim, antes, me tirava do sério quando ele não encontrava as coisas. Abria a gaveta procurando algo e, logo em seguida, vinha o grito: Marta, cadê minha meia nova? Eu ia até lá e, no meio da gaveta, bem á vista de qualquer um, está a meia nova. Agora sei que eles são assim, não encontram mesmo o que procuram.
Pedro entra em casa nesse momento e percebe rapidamente, entre a última frase da esposa e o riso da amiga, do que falavam. Após uns breves cumprimentos à esposa e à amiga, não perde a chance de contar a outra parte das diferenças:
“Marta, acho que você não contou do mapa, então eu vou contar. Antes eu não sabia por que as mulheres não entendem mapas, e eram freqüentes as brigas durante as viagens. Eu pedia a ela que procurasse o caminho que devíamos fazer, mas ela virava o mapa, voltava, dava mais voltas no papel diante de si e não achava nunca a rua, então eu parava e via que ela simplesmente procurava no sentido contrário. Agora não brigamos mais por esse motivo, sei que os mapas não foram feitos para mulheres”, concluiu ele com uma forte dose de ironia. A amiga não achou nenhuma graça nisso.
O marido as deixou, e agora Marta conclui o relato à amiga, com frases entrecortadas pela emoção de quem encontrou uma grande alegria: “Mas o que mais me marcou foi o orientador familiar nos ter feito ver que a vida conjugal pode ser comparada a uma cesta, nem bonita nem feia, apenas uma cesta. Porém, que pode ser preenchida por rosas ou por um montão de porcarias. As porcarias não nossos egoísmos, cada um pensar em si mesmo. As rosas são espinhos e flores, que formam um todo harmonioso, e belo. Há os espinhos, não dá para tirá-los. Assim também em nossa vida, há acontecimentos dolorosos, que nos fazem sofrer, mas se os vivemos juntos, cada um amparando o outro, convertem-se nos espinhos que acompanham as rosas. Mas há também as rosas. Nossos filhos, os infindáveis momentos que passamos juntos, aqueles jantares barulhentos com as crianças em volta da mesa, aquela viagem que fizemos, o nosso primeiro dia na casa nova. Enfim, ele nos fez ver que cada dia é uma oportunidade de colocar uma rosa nessa cesta, com flores e espinhos. E, no fim, a razão de ser da cesta são as rosas”.

As amigas se despedem com um abraço emocionado. Ao pé da porta, Marta encontra um buquê de rosas que o marido havia trazido e não lho havia entregado: “Ficou com vergonha de entregar-me na sua frente”, explicou Marta à amiga. “Ah, eles também têm tanta dificuldade em demonstrar o que sentem!”, concluiu Marta.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Generalizações injustas

Em entrevista concedida ao Correio Popular, publicada na edição de 24 de junho deste ano, Cláudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil, fez lúcidas e interessantes considerações sobre o problema da corrupção no Brasil. Porém, quando as críticas são generalizadas, podem representar uma grande injustiça.
Afirmou o entrevistado que “O Judiciário brasileiro é o pior de todos. Ele não funciona, ou melhor, funciona apenas para os ricos. Ele foi feito para favorecer os ricos e os ladrões”. Temos de admitir que abastados e desonestos muitas vezes saem muito bem nas demandas travadas. Mas será essa a regra? Ou, ainda que sejamos pessimistas, não haverá exceções?
Confesso que tenho verdadeira aversão a generalizações, pois elas contêm sempre meias verdades e, como toda meia verdade, há também meia mentira. Assim, atrevo-me a contestar o Sr. Cláudio Weber Abramo com casos concretos. Para fazê-lo, defronto-me com a dificuldade de que o juiz não pode se manifestar sobre processo em andamento (artigo 36, inciso III da Lei Orgânica da Magistratura). Mas pode se manifestar sobre casos findos, resguardada a discrição, evidentemente.
Soube de um juiz que, como todos os colegas do Judiciário estadual, iniciou sua carreira numa pequena Comarca do interior. Lá exercendo suas funções, teve de decretar a prisão preventiva de uma pessoa acusada de roubo e que sabidamente exercia o tráfico de entorpecentes. Quando fazia algumas semanas que esse indivíduo estava preso, atendeu a um jovem que o procurava em sua casa (nessas cidadezinhas todos sabem onde mora o juiz). Era o filho do acusado. Após alguns minutos de conversa, ouviu a súplica de angústia daquele jovem: “Doutor, eu, minha mãe e meus três irmãos estamos passando fome. Solta meu pai, por favor”. Ele amparou economicamente aquela família e o caso o marcou tão profundamente que, anos após, não consegue conter a emoção ao relatá-lo.
Em outro caso, havia um litígio sobre a guarda de filhos extremamente acirrada. Foi um estudo feito por assistente social e psicólogo que sugeria que os filhos ficassem com a mãe (ou com o pai, não me recordo bem), e essa sugestão foi acatada. Porém, os filhos se negavam com veemência a cumprir a ordem judicial: “Doutor, se o senhor me mandar ficar com ele (ou com ela) eu vou me matar”. Angustiado com a situação, o juiz aprofundou na análise do caso, com novo estudo psicológico. Mas, enquanto isso, informou o número de seu telefone celular para os garotos, pedindo que telefonassem acaso ocorresse algum problema. “Foi a única forma que encontrei para conseguir dormir com a consciência tranqüila”, relata esse juiz. Após muita atenção, e horas de sono (ou sem sono), o caso ficou bem resolvido.
Uma vez o filho de um magistrado trouxe um desenho feito no colégio. Nele, havia uma mesa e, dela até o teto, uma pilha, que o filho explicou que “são os pocessos” (ele não pronunciara os erres na época). Diante da mesa, havia uma pessoa sentada, olhando para o computador, jorrando suor, aflita, trabalhando sem se dignar a olhar para os lados. Esse era o pai para ele. Alguém escondido atrás de pilhas imensas de processo, aflito por dar andamento aos muitos casos que têm de decidir.
Esses juízes, e estou certo que a maioria deles, são pessoas honestas, bem intencionadas, que erram como qualquer ser humano, que vivem um conflito diário entre o que deveriam fazer e o que efetivamente conseguem para que a justiça se faça. É claro que há os que denigrem a instituição, mas, nesse contexto, seria correto dizer que “A gente mais escrota que existe na face da Terra é juiz”? Ora, se me permite usar da mesma dureza, a gente mais escrota que existe na face da Terra é quem, a pretexto de criticar maus exemplos, coloca bons e ruins na mesma vala comum.

O entrevistado afirma, em determinada ocasião, que “São as instituições que fazem o homem e não o homem que faz as instituições”. Ledo engano. Toda instituição é formada por pessoas, e são elas que, com seus anseios, sonhos e valores a constroem (ou destroem), afinal, as instituições existem para o homem e não o homem para elas. Essa visão, porém, somente a tem quem é capaz de penetrar no coração do homem. E isso não se consegue com generalizações baratas.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Férias de julho


Iniciam-se as férias de julho. Alegria para os filhos, terror para os pais. É que para muitos pais e mães nem sempre é possível conciliar as próprias férias com as dos filhos, e então fica o grande dilema: o que fazer com eles nestes dias?
Talvez um primeiro ponto que os pais devam considerar é que, o fato de se estar de férias, não impede que haja uma programação das atividades a serem feitas pelos filhos. De fato, não há motivo para impor-lhes, nestes dias, um ritmo de quartel. Afinal, é muito bom poder acordar um pouco mais tarde, ter mais tempo para brincar e se divertir. Isso, porém, não é incompatível com a organização do tempo.
É muito interessante que os pais façam com os filhos a programação das férias. Que decidam juntos o tempo que terão para ficar no computador, jogar vídeo-game, assistir TV, mas que também reservem um tempo para brincadeiras, jogos saudáveis e também a prática de esporte. É que, bem aproveitado o tempo, as férias ficam mais divertidas e menos enfadonhas.
Lamentavelmente, porém, mal começam as férias, muitos pais já se lançam a procurar por programa de férias na escola, programa de férias no clube, programa de férias seja lá onde for, como que querendo inserir os filhos em qualquer lugar que esteja “seguro” e, principalmente, não causem aborrecimentos.
No entanto, as férias trazem uma oportunidade imperdível de se estar mais tempo com os filhos, e esse convívio mais estreito é imprescindível para a formação deles. Assim, mesmo que não se esteja de férias, muitos profissionais possuem horários de trabalho mais flexíveis, de modo que, com esforço e criatividade, conseguem iniciar o trabalho mais tarde, compensando o horário no final do expediente, para fazer alguma atividade com os filhos pela manhã, ou, ao contrário, entrar mais cedo para ter mais tempo ao final do dia. E mesmo que os horários sejam rígidos, sempre há como se desdobrar para estar mais com eles nesses dias.
E esse empenho por aumentar o convívio nesse período pode ser maior no caso de viagem. Infelizmente, porém, muitos pais, ao procurarem local para passar as férias, escolhem como requisito principal que haja no hotel monitores para cuidar das crianças. É que, pensam, assim se pode aproveitar bem a viagem, as crianças para um lado, e os pais para outro. Ora, não há nada de ruim em que se conte com ajuda nessas ocasiões, mas que não sirva isso para aumentar ainda mais a distância entre pais e filhos.

O mundo moderno possui coisas fascinantes. Nele parece ter de tudo, porém, a grande deficiência das pessoas é de tempo e de afeto. Corre-se num ritmo frenético e não se consegue parar para um simples bate-papo ou para um caminhar num final de tarde. No entanto, essas ocasiões, em que os pais estão com os filhos sem pressa, são oportunidades de ouro que se têm para incutir neles os valores que perdurarão por todas as suas vidas, mais ainda, que os farão ver um sentido para as próprias vidas.