quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Honrar os idosos

Lembro-me de que certa vez estava em companhia de meu avô em um baile de formatura. Num dado momento alguns formandos, embriagados, excediam-se em umas brincadeiras de mau gosto. Ele, apesar de descontraído, apontou-me para aquilo e me aconselhou: “Sabe, filho, um grande homem se faz de pequenos gestos. Não faça nunca o mesmo que esses moços”. Impressionou-me o conselho, sobretudo porque não era ele, nem de longe, nenhum moralista.
Lembro-me disso agora para refletir na situação atual dos idosos. Uma das características mais marcantes da vida moderna é a rapidez com que a coisas mudam e o mundo se transforma. E, de certa forma, quem não consegue acompanhar esse ritmo frenético, é como que deixado para traz. E as maiores vítimas disso são as pessoas de idade avançada, que têm maiores dificuldades em acompanhar essas mudanças.
Em outros tempos da história, a evolução se dava de forma muito mais pausada e não se percebiam grandes transformações de uma geração para a outra. Assim, pais e filhos mantinham estilos de vida muito semelhantes, dispunham dos mesmos conhecimentos e usufruíam as mesmas “inovações tecnológicas”. Era comum, portanto, que o passar dos anos significasse maior experiência e, por conseqüência, tornava os idosos aptos para serem bons conselheiros das novas gerações, tanto que se ouviam os anciãos com respeito que os anos de vida lhes rendiam.
Em nosso tempo, ocorre quase que o inverso. Tomemos o exemplo do que ocorre em um bate-papo entre jovens. Se algum idoso se aventura a dar o seu parecer, a primeira reação é pensar que a opinião não tem valor, afinal, pensa-se, os tempos são outros.
É exemplo que também ilustra essa situação o mercado de trabalho. Também é freqüente que pessoas com menos de trinta anos ocupem cargos de destaque nas empresas e no serviço público. Ao contrário, é cada vez mais difícil encontrar colocação no mercado de trabalho após certa idade.
Aos poucos parece que se está dando conta da situação discriminatória do idoso, e passam-se a se implementar medidas protetivas, como o Estatuto do Idoso. Porém, não basta assegurar transporte gratuito e vagas especiais em estacionamentos.
Tais medidas não representam nenhum tipo de privilégio, ao contrário, e direito que se lhes há de assegurar por medida de justiça. Porém, mais do que isso, as pessoas de idade avançada podem ser muito úteis à sociedade, e a sabedoria deles não pode ser simplesmente desperdiçada. Possuem uma experiência de vida que podem ser muito úteis aos demais. E não são piores do que os jovens somente porque não dominam os recursos da informática com a mesma habilidade.
É bem verdade que há pessoas que contribuem para ficar como que isoladas. São aqueles que vivem num saudosismo pegajoso, a todo tempo se queixando de que o mundo moderno é uma droga e que antigamente sim é que era bom...
Porém, há pessoas de poucos anos que já são velhos, mantêm-se sempre taciturnos, queixosos, sem vontade nem esperança de fazer melhor o mundo que os cercam. Há outros, porém, que apesar dos muitos anos, mantêm todo o frescor da juventude, com uma postura sorridente e descontraída, sedentos de vida e apaixonados por ela. Talvez a marca distintiva entre uns e outros seja a disponibilidade em servir aos demais. Quem anda muito ocupado, e centrado em si mesmo, sente-se cada vez mais insatisfeito e, portanto, triste. Quem, ao contrário, se dedica aos demais, sequer encontra tempo para considerar o que lhe falta, de modo que é comum trazer em si a marca de uma profunda alegria.
Nestes dias de final de ano é comum avivarmos os propósitos para o ano vindouro. Além dos muitos desejos de melhora profissional, de sucesso nos negócios, penso que poderíamos incluir esses que nos garantem uma eterna juventude: o de ser mais prestativos e dedicados aos demais, em especial, para com as pessoas de idade avançada.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Agitações

É impressionante como as pessoas caem numa intensa agitação no final do ano. No trabalho, parece que tudo tem de estar resolvido até o Natal, como se o mundo fosse acabar poucos dias, como que desejando que o novo ano comece sem problemas, ficando no velho todas as frustrações e projetos não concluídos. Não bastasse isso, a atenção parece estar nas compras, na ceia, na viagem e nos festejos do final do ano com o pessoal de trabalho. Com tudo isso dando voltas na cabeça, corre-se, agita-se, busca-se, e, quando chega a festa, se a graduação alcoólica no sangue não for suficiente para abafar, pensa-se: por que corri tanto até chegar esse dia?
No entanto, penso que o verdadeiro espírito do Natal seja o inverso disso tudo. É tempo de sermos mais solidários com os demais, talvez visitando um asilo ou alguma instituição que cuide de crianças abandonadas. Pode ser o caso de irmos passar alguns minutos com um amigo que está doente, ou, quem sabe, fazer o possível para reatar a amizade com aquele parente, colega de trabalho, ou amigo de longa data, com quem, por algum motivo, quase sempre fútil, se tenha rompido as relações. E que alegria e paz quando se consegue, nesse tempo, fazer alguma dessas obras!
Caímos num intenso ativismo, sobretudo nesse tempo, porque nos falta um sólido e profundo sentido para nossas vidas. O Natal é uma festa cristã, assim, o que se faz nesse tempo perde a razão de ser quando não se vive de verdade o cristianismo. Com efeito, as pessoas trocam presentes, comemoram e se cumprimentam para festejar o nascimento do Salvador há muito tempo esperado. No entanto, quando não se está disposto a viver o que Ele ensinou, há de se perguntar: Por que fazer festa? Por que trocar presentes? Pior, por que se alegrar? E não se encontrará resposta adequada para isso.
Uma atitude que talvez nos seja muito útil para evitarmos o ativismo que nos rouba a paz nesse tempo, é contemplar os personagens que tomaram parte na cena que agora se comemora.
Os Magos, por certo tinham muitos afazeres em seu País, mas deixaram tudo para seguir uma estrela, que nem eles sabiam ao certo onde os levaria. Mas quando viram para onde esse sinal do céu os encaminhou, que alegria!
Os pastores, também tinham uma ocupação, que era cuidar de suas ovelhas. Mas não hesitaram em deixá-las para ir ao lugar em que se lhes haviam anunciado como palco de um grande prodígio. E foram, e, ao contemplar a cena, que deslumbramento!
E José. Por certo tinha teria muito trabalho em Nazaré. Móveis por fazer, encomendas por entregar, mas, para cumprir uma ordem do Imperador, deixou tudo e seguiu a Belém. E eis que lá teve lugar o fato mais transcendente de toda a história da humanidade.

Tal como esses personagens, é preciso admitirmos que não temos total domínio sobre as nossas vidas e sobre os acontecimentos que nos cercam, que há uma ordem superior a que estamos sujeitos. Enfim, é tempo de lembrarmos o que nos disse aquele menino, cujo aniversário em breve celebraremos, de que não devemos nos preocupar muito sobre o que haveremos de comer, beber ou vestir, que cada dia deve contar com as próprias cargas, e que servir aos demais é a maneira mais fantástica de nos aliviamos de todo esse peso que tanto nos aflige.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Razão e fé


Na sua coluna de sexta-feira dia 1º de dezembro, o Cecílio abriu o seu coração, narrando as vicissitudes da sua fé no decorrer de sua vida. É comum às pessoas se abrirem em confidência em um círculo de amigos após um primeiro se aventurar a fazê-lo. Não estamos em um bate-papo, mas o fato de estarmos ocupando um mesmo espaço no jornal, ao menos para mim, dá uma sensação semelhante, de modo que me animo a fazer o mesmo.
Devia ter cerca de dez anos quando a fé despontou-me muito vibrante. Lembro-me do padre Ladislau, na pacata cidade de Tabapuã, situada no interior do Estado de São Paulo. Como ele era amável com as crianças! E com que simplicidade nos ensinava as verdades de fé com o seu forte sotaque polonês!
Que pena, caro Cecílio, que aquela fé tão inocente também não tenha resistido a mais de três aulas de história do colegial. Em pouco tempo, a Igreja deixou de ser aqueles simples e amáveis ensinamentos do Padre Ladislau e passou a ser apenas a autora da terrível Inquisição, homicida, perversa e dominadora.
Olhando agora a essas duas fases de minha vida, posso contemplar muito claramente a diferença. Nos tempos de fé, reinava a paz, a serenidade, o mundo que me cercava era como que um quebra-cabeça com todas as peças encaixadas. O jovem, ao contrário, confuso e sem rumo, numa vã procura da felicidade perdida por caminhos onde ela não estaria jamais. Pior, estava agora instigado ao ódio, como que obrigado a procurar inimigos, culpados pelo grande vazio da alma.
Por sorte, ou melhor, pelos maravilhosos caminhos que somente a Providência sabe explicar, a fé voltou-me a brilhar, e já se pode vislumbrar o quebra-cabeça se encaixando de novo: que paz! E aqui estou, caro Cecílio, pensativo com seu artigo, um pouco melancólico pela sensação de tempo perdido, mas feliz.
Em dois pontos tratados no artigo, porém, penso que a questão possa ser analisada sob um outro enfoque.
A primeira coisa que me ocorre considerar é que a imensa maioria dos conhecimentos que possuímos, e que chamaríamos de “racionais”, decorrem de uma fé humana. Por exemplo, se perguntássemos a um ateu, quantos habitantes têm o Brasil? “Cerca de cento e oitenta milhões”, responderia ele de plano. Perguntaria então: “você já contou?”. “Não, mas o IBGE contou e, por ser uma instituição confiável, posso acreditar que isso é verdade”. Ora, é um conhecimento que se tem pela fé humana.
Da mesma forma, ninguém viu a Deus para saber como Ele é e o que quer de nós seres humanos. Mas houve um Homem que veio ao mundo num determinado tempo da história e nos disse quem é Deus e o que Ele quer de nós. E para que seus ensinamentos merecessem credibilidade, esse Homem curou doentes, ressuscitou mortos, multiplicou pães, converteu água em vinho etc. Será que não é tanto mais digno de fé que o IBGE?

Outro ponto que você me fez refletir, caro Cecílio, é quando diz que é humano demais para ser um bom católico. Bem, sempre considerei o contrário, ou seja, que para ser um bom cristão é preciso ser muito humano, como Cristo o foi. É tão patente a humanidade de Jesus que o contemplamos, por vezes, sedento, implorando um pouco de água à mulher que foi ao poço retirá-la, e também quando tinha tanto sono que dormia profundamente na barca que, agitada pelas ondas, quase afundava. Tão humano foi a ponto de ter cansaço, fome, sede, dor, chorou diante do túmulo de Lázaro! Ser cristão é imitar a Cristo, e esse O contemplamos muitíssimo humano. Unir o divino e o humano é a tarefa que nos cabe nesta nossa vida. Difícil... mas possível, pois temos os meios para isso, entre outros, a própria fé, a nossa razão e o nosso coração.