quarta-feira, 22 de novembro de 2006

O deus-corpo

Chocou o País a morte da jovem modelo, vítima de uma espécie de compulsão por se atingir um padrão de beleza imposto por certos segmentos da sociedade. Penso que a tragédia pode nos motivar a refletir sobre o que é, na essência, o ser humano, e qual é o papel que exerce o corpo de cada um nesse contexto.
Os materialistas que me desculpem, mas creio com total convicção que a pessoa humana é um ser ao mesmo tempo corpóreo e espiritual, e que nele o espírito e a matéria formam uma única natureza.
Distorções como aquela de que foi vítima a pobre modelo, e muitas outras, nascem, no mais das vezes, por se desconhecer, ou de não se dar a devida importância, a essa realidade, de tal forma que ou se considera no homem e na mulher apenas o seu componente físico, ora se chega ao outro extremo, também distorcido, de supervalorizar apenas o espiritual, chegando ao desprezo do próprio corpo.
Por exemplo, quando se esquece essa unidade, e o ser humano é tratado apenas como um conjunto de células, que formam tecidos, órgãos etc., a perfeição do funcionamento disso passa a ser uma obsessão. Assim, para a modelo, o ideal de beleza que lhe foi imposto deve ser atingido a qualquer custo. O mesmo ocorre com o jovem que perde horas do dia se exercitando, e depois ainda ingere hormônios até atingir um porte físico “perfeito”. Também é reflexo disso a preocupação desordenada com a saúde, como ocorre naquelas pessoas que, ao menor sintoma de alguma doença se desespera, imagina o pior, e gasta tempo e dinheiro investigando, e remédios, e tratamentos, e sessões disso e daquilo. Com tais atitudes, enfim, revelam o que pensam, ainda que não admitam: como tudo o que se tem é o corpo, e nada mais, há que se cuidá-lo, mais que isso, amoldá-lo ao ideal de perfeição que se construiu a seu respeito.
Mas penso que seja também uma distorção a postura de desprezo ao corpo, como se o aspecto espiritual fosse o único que importa. Ora, basta meditarmos um pouco e com uma pequena dose de boa-fé para concluirmos que o que temos de mais nosso, que é a nossa própria existência, não a temos por mérito algum, ambos, corpo e alma, nos foram dados gratuitamente. Assim, se isso não nos permite uma atitude de soberba ou de vaidade, por outro lado, é natural que se assuma uma postura de gratidão para com quem, ou melhor, para com Aquele que, por pura bondade, nos concedeu isso tudo: corpo, alma e todo o universo que nos cerca.
O desprezo do corpo seria, portanto, de certa forma, uma ingratidão. Não se pode, a pretexto de cuidar do que “interessa”, descuidar-se da saúde. É bom que se tenha uma alimentação saudável, que se façam exercícios adequados, que se procure pelo médico com certa regularidade, pois com isso, está se cuidando de algo muito precioso que nos foi confiado.
Mas é preciso se cuidar também da saúde espiritual. E dela se cuida, essencialmente, colocando-se a serviço do próximo. Aliás, as obras que generosamente se praticam em favor da esposa, do marido, dos filhos, dos amigos, colegas de trabalho, enfim, de todos os que nos cercam, talvez seja o exercício mais saudável e a dieta mais equilibrada que se pode praticar, na medida em que se põe o corpo sob o comando do espírito para cumprir exatamente aquilo para o que, ambos, em sua unidade, foram concebidos e criados.

Por fim, uma mostra de grandeza de espírito é aceitar o que somos e temos, com nossos defeitos e limitações. É evidente que o ser humano pode melhorar no curso de suas vidas, mais que isso, uma vida bem vivida é aquela que se traduz numa luta constante por melhoras. Mas sempre teremos defeitos e limitações. E Aquele que nos criou com eles, sabe que seremos felizes também com eles, ou melhor, lutando para superá-los.

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