quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Folhas caídas

O último dia 2 de novembro caiu numa quinta-feira. Uma pausa que para muitos foi quatro dias, um feriadão, que espero tenha sido muito bem aproveitado por todos.
Mas, nesse único dia do ano dedicado à memória das pessoas falecidas, em que talvez se tenha feito uma visita a um cemitério, ou simplesmente por relembrarmos de algum parente ou amigo que já não esteja entre nós, é quase que inevitável pensar na morte.  E diante desse pensamento, as reações podem variar, mas é muitíssimo comum que se tenha verdadeiro pavor em pensar na própria morte.
Quase tudo que acontece de aparentemente ruim em nossa vida, porém, pode ser ocasião de se tirar bons frutos. E isso ocorre muito especialmente ao se aceitar a realidade da própria morte. Independentemente da fé que se tenha, considerar que se está de breve passagem por esta vida pode ajudar a se viver mais sabiamente.
Quem tem consciência de estar de passagem aproveita muito melhor o tempo, sabe utilizá-lo para construir algo de belo, especialmente em favor dos outros. Sabe que isso é o que verdadeiramente vale a pena e que, de certa forma, o imortalizará. Quem sabe estar de passagem, procura se reconciliar o quanto antes, acaso tenha havido alguma desavença, e faz o que está ao seu alcance para estar bem com todos, tratar bem a todos. Quem sabe estar de passagem é muito propenso a relevar os pequenos incidentes de cada dia, a não dar excessiva importância quando lhe ofendem, quando não lhe compreendem, ou quando não lhe dão o valor que acredita merecer. Afinal, pensa o sábio, a vida é muito curta para se perder tempo com essas ninharias.
Mas se esses dias nos movem a pensar na própria morte, é provável que nossas atenções se voltem também para aqueles amigos, parentes e conhecidos que, por motivo de doença ou idade, as circunstâncias apontam para que os dias estejam mesmo chegando ao fim. Penso que deveríamos nos esmerar em atender muito afetuosamente essas pessoas. Mais ainda, deveríamos pensar que o tempo que se dedica a eles não se perde, ao contrário, muito se ganha em generosidade e alegria que brota sempre de toda conduta benfazeja e desinteressada.
Muito se fala hoje em dia em humanizar a morte. Com essa expressão se quer dizer, porém, reduzir a dor do paciente em suas horas derradeiras. De fato, ministrar medicamentos que atenuem o sofrimento do moribundo é um ato de caridade valiosíssimo que deve ser muito prestigiado. Porém, não é raro que a maior dor nesses momentos seja a solidão, talvez porque os filhos, esposo, esposa, parentes, amigos, estejam tão ocupados que não encontrem tempo para fazer companhia, para levar um alento.
E uma manifestação de caridade muito especial que se pode dar ao doente é não privá-lo da assistência religiosa nesses duros momentos. Há que se fazer com um profundo respeito à liberdade, com muita delicadeza e naturalidade, mas com empenho por não privá-lo desse auxílio valioso por covardia, ou medo do que irá pensar.
E também os hospitais devem estar estruturados para proporcionar o direito à assistência religiosa aos seus pacientes, ainda que sejam mantidos por entidades não confessionais. É que tal direito está assegurado no inciso VII do artigo 5º da Constituição Federal, de modo que a instituição que obsta o acesso do sacerdote, pastor ou ministro evangélico, quando ele é chamado pelo doente ou seus familiares, comete grave violação de um direito constitucional.
Penso ser bem a propósito o pensamento de São Josemaría Escrivá sobre o assunto, exposto num dos pontos de sua obra, Caminho: “Já viste, numa tarde triste de outono, caírem as folhas mortas? Assim caem todos os dias as almas na eternidade. Um dia, a folha caída serás tu”.

Não ouso acrescentar nada, caríssimo leitor. Que cada um se aventure a terminar este artigo nas páginas de suas vidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário