terça-feira, 28 de novembro de 2006

Luta contra as drogas

O Correio Popular deste domingo relata o alarmante crescimento do  consumo de extasy entre os jovens em Campinas. Sabemos que o combate à dependência de substâncias entorpecentes, que assola e destrói muitas famílias, somente é eficaz quando há um trabalho preventivo de formação das crianças e adolescentes.
Conscientes disso, quase todos os pais conversam com os filhos, desde a infância, sobre as drogas. É muito comum que façam verdadeiro terrorismo na cabeça deles com frases do tipo: “a droga mata”. Isso não é errado, afinal, é verdade o que se diz e é bom temer essa mal terrível, pois assim será mais fácil fugir das situações em que lhes sugiram o consumo. O problema é que é só isso que fazem pais para ajudar os filhos a não caírem nesse flagelo. Porém, essa guerra exige estratégias muito mais bem elaboradas e implementadas desde a primeira infância.
É necessário educar a vontade desde a infância. Por educar a vontade, entenda-se, é ensinar a contrariar os gostos, quando fazer algo de bom exija esforços. Por exemplo, exigir que as refeições sejam feitas no horário certo e na mesa, e não que fiquem comendo o que querem, na hora em que querem, deitados diante da TV; que sentem com uma postura correta para fazer lição, e não que o façam como que “esparramados” na cadeira ou no sofá.
Não se trata de transformar a casa num quartel, mas é necessário que se ensinem os filhos, desde cedo, a serem fortes, para fazer as coisas que são boas, ainda que lhes custe. Do contrário, como terão fortaleza para dizer com valentia NÃO ao traficante ou ao amigo que lhe sugere esse “prazer irresistível”? Afinal, se sempre fizeram apenas o que é gostoso, aprazível, o natural será que suas vidas sejam uma exclusiva busca do prazer sensível, e ninguém duvida de que a droga proporciona, ainda que por breves instantes, essa sensação prazerosa.
Além de educar a vontade, é necessário que os pais saibam transmitir, mais com o exemplo do que com palavras, que a vida vale a pena. A droga nada mais é que uma fuga. E não precisa fugir quem está muito bem e feliz onde está. É muito pouco provável que vá enveredar pelos caminhos da droga o filho que vê o pai constantemente alegre, apesar dos muitos problemas que enfrenta, que chega em casa ao final de um dia de trabalho exausto, mas contente, aberto para ouvir os filhos e ajudar a esposa. É também pouquíssimo provável que a filha, que vê na mãe uma mulher, que se desdobra para atender os filhos e solícita e carinhosa com o marido, e que exatamente por não pensar em si é feliz e realizada, vá se perder no mundo das drogas.
Não basta incutir temor nos jovens sobre o problema das drogas. Na adolescência, os pais deixam de ser heróis infalíveis e passam a ser pessoas que, em geral, não têm razão no que dizem, ou quando menos sabem menos do que eles sobre o mundo. Assim, o medo que cuidadosamente incutiram pode ceder à curiosidade de experimentar o que o amigo já experimentou e afirma que é muito bom. Além da curiosidade, há nos jovens uma natural rebeldia. E se os filhos não têm nos pais bons exemplos a serem seguidos, uma boa forma de se rebelarem contra eles é exatamente fazendo o oposto do que sempre aconselharam.

Não é fácil ser pai e ser mãe no mundo de hoje. A dificuldade está em que se perdeu o sentido da vida, e por tê-lo perdido, não se pode transmiti-lo aos filhos. Porém, é apenas isso o que eles esperam de nós: que saibamos mostrar-lhes que não precisam fugir para lugar algum para encontrar a felicidade a que tanto almejam, pois ela está bem próxima, na simplicidade de cada momento, cada qual encarado como uma oportunidade única de fazer o bem aos outros, com isso comprando gratuitamente centenas de “extasys” que nunca se consomem nem acabam.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

O deus-corpo

Chocou o País a morte da jovem modelo, vítima de uma espécie de compulsão por se atingir um padrão de beleza imposto por certos segmentos da sociedade. Penso que a tragédia pode nos motivar a refletir sobre o que é, na essência, o ser humano, e qual é o papel que exerce o corpo de cada um nesse contexto.
Os materialistas que me desculpem, mas creio com total convicção que a pessoa humana é um ser ao mesmo tempo corpóreo e espiritual, e que nele o espírito e a matéria formam uma única natureza.
Distorções como aquela de que foi vítima a pobre modelo, e muitas outras, nascem, no mais das vezes, por se desconhecer, ou de não se dar a devida importância, a essa realidade, de tal forma que ou se considera no homem e na mulher apenas o seu componente físico, ora se chega ao outro extremo, também distorcido, de supervalorizar apenas o espiritual, chegando ao desprezo do próprio corpo.
Por exemplo, quando se esquece essa unidade, e o ser humano é tratado apenas como um conjunto de células, que formam tecidos, órgãos etc., a perfeição do funcionamento disso passa a ser uma obsessão. Assim, para a modelo, o ideal de beleza que lhe foi imposto deve ser atingido a qualquer custo. O mesmo ocorre com o jovem que perde horas do dia se exercitando, e depois ainda ingere hormônios até atingir um porte físico “perfeito”. Também é reflexo disso a preocupação desordenada com a saúde, como ocorre naquelas pessoas que, ao menor sintoma de alguma doença se desespera, imagina o pior, e gasta tempo e dinheiro investigando, e remédios, e tratamentos, e sessões disso e daquilo. Com tais atitudes, enfim, revelam o que pensam, ainda que não admitam: como tudo o que se tem é o corpo, e nada mais, há que se cuidá-lo, mais que isso, amoldá-lo ao ideal de perfeição que se construiu a seu respeito.
Mas penso que seja também uma distorção a postura de desprezo ao corpo, como se o aspecto espiritual fosse o único que importa. Ora, basta meditarmos um pouco e com uma pequena dose de boa-fé para concluirmos que o que temos de mais nosso, que é a nossa própria existência, não a temos por mérito algum, ambos, corpo e alma, nos foram dados gratuitamente. Assim, se isso não nos permite uma atitude de soberba ou de vaidade, por outro lado, é natural que se assuma uma postura de gratidão para com quem, ou melhor, para com Aquele que, por pura bondade, nos concedeu isso tudo: corpo, alma e todo o universo que nos cerca.
O desprezo do corpo seria, portanto, de certa forma, uma ingratidão. Não se pode, a pretexto de cuidar do que “interessa”, descuidar-se da saúde. É bom que se tenha uma alimentação saudável, que se façam exercícios adequados, que se procure pelo médico com certa regularidade, pois com isso, está se cuidando de algo muito precioso que nos foi confiado.
Mas é preciso se cuidar também da saúde espiritual. E dela se cuida, essencialmente, colocando-se a serviço do próximo. Aliás, as obras que generosamente se praticam em favor da esposa, do marido, dos filhos, dos amigos, colegas de trabalho, enfim, de todos os que nos cercam, talvez seja o exercício mais saudável e a dieta mais equilibrada que se pode praticar, na medida em que se põe o corpo sob o comando do espírito para cumprir exatamente aquilo para o que, ambos, em sua unidade, foram concebidos e criados.

Por fim, uma mostra de grandeza de espírito é aceitar o que somos e temos, com nossos defeitos e limitações. É evidente que o ser humano pode melhorar no curso de suas vidas, mais que isso, uma vida bem vivida é aquela que se traduz numa luta constante por melhoras. Mas sempre teremos defeitos e limitações. E Aquele que nos criou com eles, sabe que seremos felizes também com eles, ou melhor, lutando para superá-los.

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Folhas caídas

O último dia 2 de novembro caiu numa quinta-feira. Uma pausa que para muitos foi quatro dias, um feriadão, que espero tenha sido muito bem aproveitado por todos.
Mas, nesse único dia do ano dedicado à memória das pessoas falecidas, em que talvez se tenha feito uma visita a um cemitério, ou simplesmente por relembrarmos de algum parente ou amigo que já não esteja entre nós, é quase que inevitável pensar na morte.  E diante desse pensamento, as reações podem variar, mas é muitíssimo comum que se tenha verdadeiro pavor em pensar na própria morte.
Quase tudo que acontece de aparentemente ruim em nossa vida, porém, pode ser ocasião de se tirar bons frutos. E isso ocorre muito especialmente ao se aceitar a realidade da própria morte. Independentemente da fé que se tenha, considerar que se está de breve passagem por esta vida pode ajudar a se viver mais sabiamente.
Quem tem consciência de estar de passagem aproveita muito melhor o tempo, sabe utilizá-lo para construir algo de belo, especialmente em favor dos outros. Sabe que isso é o que verdadeiramente vale a pena e que, de certa forma, o imortalizará. Quem sabe estar de passagem, procura se reconciliar o quanto antes, acaso tenha havido alguma desavença, e faz o que está ao seu alcance para estar bem com todos, tratar bem a todos. Quem sabe estar de passagem é muito propenso a relevar os pequenos incidentes de cada dia, a não dar excessiva importância quando lhe ofendem, quando não lhe compreendem, ou quando não lhe dão o valor que acredita merecer. Afinal, pensa o sábio, a vida é muito curta para se perder tempo com essas ninharias.
Mas se esses dias nos movem a pensar na própria morte, é provável que nossas atenções se voltem também para aqueles amigos, parentes e conhecidos que, por motivo de doença ou idade, as circunstâncias apontam para que os dias estejam mesmo chegando ao fim. Penso que deveríamos nos esmerar em atender muito afetuosamente essas pessoas. Mais ainda, deveríamos pensar que o tempo que se dedica a eles não se perde, ao contrário, muito se ganha em generosidade e alegria que brota sempre de toda conduta benfazeja e desinteressada.
Muito se fala hoje em dia em humanizar a morte. Com essa expressão se quer dizer, porém, reduzir a dor do paciente em suas horas derradeiras. De fato, ministrar medicamentos que atenuem o sofrimento do moribundo é um ato de caridade valiosíssimo que deve ser muito prestigiado. Porém, não é raro que a maior dor nesses momentos seja a solidão, talvez porque os filhos, esposo, esposa, parentes, amigos, estejam tão ocupados que não encontrem tempo para fazer companhia, para levar um alento.
E uma manifestação de caridade muito especial que se pode dar ao doente é não privá-lo da assistência religiosa nesses duros momentos. Há que se fazer com um profundo respeito à liberdade, com muita delicadeza e naturalidade, mas com empenho por não privá-lo desse auxílio valioso por covardia, ou medo do que irá pensar.
E também os hospitais devem estar estruturados para proporcionar o direito à assistência religiosa aos seus pacientes, ainda que sejam mantidos por entidades não confessionais. É que tal direito está assegurado no inciso VII do artigo 5º da Constituição Federal, de modo que a instituição que obsta o acesso do sacerdote, pastor ou ministro evangélico, quando ele é chamado pelo doente ou seus familiares, comete grave violação de um direito constitucional.
Penso ser bem a propósito o pensamento de São Josemaría Escrivá sobre o assunto, exposto num dos pontos de sua obra, Caminho: “Já viste, numa tarde triste de outono, caírem as folhas mortas? Assim caem todos os dias as almas na eternidade. Um dia, a folha caída serás tu”.

Não ouso acrescentar nada, caríssimo leitor. Que cada um se aventure a terminar este artigo nas páginas de suas vidas.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

A democracia para os vencidos

Nesses dias que sucedem à escolha do novo Presidente, observam-se reações muito diferentes entre os eleitores. Os que votaram no vencedor, salvo poucas exceções, caem numa apatia, como que sem esperança de que a vitória possa representar alguma mudança em suas vidas. Dentre os que votaram no vencido, ao contrário, não é raro encontrar uma expectativa do tipo “quanto pior melhor”, uma postura agoureira, esperando que tudo dê errado apenas para poder dizer: “Não falei? Ainda bem que não votei nele!”.
Tais reações são muito comuns em todas as decisões colegiadas. Quem vive em condomínio conhece as grandes divisões que surgem nas intermináveis assembléias. O grupo da situação espera temeroso que a decisão seja acertada, o da oposição aguarda ansioso o malogro para provar que estava com a razão. Mesmo em família se observa problemas semelhantes. Há situações em que o pai é da opinião de proibir que o filho faça algo (ir a uma festa, por exemplo), e a mãe pensa em consentir. Por fim, um acaba cedendo. Mas se algo der errado, coitado daquele cuja opinião prevaleceu, vai ter de ouvir daquele que cedeu, com ares de dono (ou dona) da razão: “Não te disse? Não deveria ter deixado”.
Quem participa de decisão tomada por maioria precisa ter a grandeza de espírito para saber se comprometer com o que se decidiu. Mais que isso, deve lutar de verdade para que dê certo, mesmo quando não concorda. Do contrário, a família, o condomínio, a empresa, enfim, qualquer instituição, irá caminhar, mas arrastando o peso morto dos vencidos. É como se fosse um trem com duas locomotivas, cada uma puxando os vagões em sentidos opostos, de tal sorte que a mais forte arrasta no seu sentido, mas a custa de terrível esforço, com tremenda lentidão e prestes a romper, botando tudo a perder a qualquer momento.
A mesma observação se aplica para a escolha dos governantes numa democracia. Proclamado o resultado das eleições, goste-se ou não, confie-se ou não, tenha-se votado no eleito ou não, é preciso reconhecer que é a autoridade legitimamente constituída, que merece respeito e também submissão às decisões que essa autoridade, no exercício da função que lhe cabe, vier a tomar.
Em um passado não muito distante, um partido que perdeu as eleições presidenciais em nosso País, veio com a idéia de fundar um “governo paralelo”. Ora, nada mais ridículo e antidemocrático que isso. Tratou-se de uma iniciativa de desmoralizar o governante eleito, cuidando de que desse errado para colher frutos políticos dos fracassos do vencedor.
É tempo de vencedores e vencidos aprender a empurrar o trem na mesma direção: no sentido da ética, no sentido do trabalho honrado, sério e competente, no sentido da educação, com especial enfoque na formação dos valores, no sentido de proporcionar saúde, e saúde não apenas num atendimento tecnicamente competente nos hospitais e postos de atendimento, mas também na atenção que se presta ao doente, com aquele interesse que nem sempre cura o corpo, mas conforta a alma.
Mas o governante eleito tem também uma parcela enorme de responsabilidade nesse propósito de unir a nação. Primeiro, há de ser ele próprio exemplo de ética e transparência na condução da coisa pública. E depois, deve ter programas sólidos e consistentes, que aglutine eficazmente esforços na persecução do bem comum. Enfim, deve ser aquele que une, e não o que semeia divisões.

Esse querido Brasil, que se orgulha de ser a maior nação cristã do planeta, tem direito a que seu governante, exatamente por ser o primeiro, seja o que serve a todos. E ao mesmo tempo em que se exige isso do Presidente, há de se estar decididamente disposto a não cair na nefasta tentação do “quanto pior, melhor”.