quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Guerras


A imagem de crianças mortas após o massacre do exército israelense na vila de Qana, no sul do Líbano, é estarrecedora. Misturado com a indignação, ressoa em nossas mentes a persistente dúvida: por que? Por que tanto ódio? Por que tanta intolerância?
Analisando um pouco mais a questão, vemos que se aponta como causa do conflito o fato de o Hezbollah ter capturado dois soldados israelenses e matado oito. Mas isso justifica que já se tenha matado mais de 700 libaneses no conflito? Por outro lado, é justo que se tenha tirado a vida também de dezenas de israelenses?
Não pretendo, nessa breve reflexão, embrenhar-me nas razões políticas ou sociológicas que se apontam para o conflito, e nem saberia fazê-lo adequadamente. Mas aberrações como essas podem nos convidar a pensar sobre como nos portamos no nosso dia-a-dia e se, com isso, somos construtores da paz ou se também semeamos discórdia, divisões, maledicências, ódio. É que em corações podres e em almas cegas pelo ódio é que se forjam brutalidades como essas. E, como não podemos fazer nada, ou quase nada, para curar as doenças da alma de semelhantes que se destroem do outro lado do planeta, podemos olhar para dentro de cada um de nós e nos questionarmos se, em nosso ambiente, somos também plantadores de guerra ou semeadores de paz e de alegria.
Como é a nossa reação ante uma ofensa que recebemos, ainda que injusta? O que desejamos para aquele parente ou colega de trabalho que um dia nos soltou uma frase que nos desagradou? Há um sério propósito de relevar, de tirar importância, enfim, de perdoar sinceramente? Ou, ao contrário, não disparamos mísseis de longo alcance contra ele e todos os que pensam como ele somente porque não dispomos de todos esses recursos bélicos?
Quem são para nós, aqueles com quem convivemos: vizinhos, parentes, colegas de trabalho, familiares? Pessoas que nos podem ser úteis para atingirmos os objetivos de vida egoístas que nos traçamos? Degraus em que devemos pisar para chegar ao cume, antes e melhor? Ou, ao contrário, seres humanos, semelhantes a nós, que também trazem no peito um desejo inescondível de felicidade, a cujos projetos podemos em muito contribuir, por vezes, com um simples sorriso, com um olhar, com um ouvir atento a alguma lamentação.
Que me perdoe o leitor se traio as expectativas por não falar quase nada da guerra no Líbano, ao contrário do que sugere o título e a introdução. Mas estou fortemente convencido de que justiça, paz, solidariedade, segurança, constituem bens que podem ser alcançados em determinada sociedade, conquanto que antes se os edifiquem no coração dos homens e mulheres que compõem aquela sociedade.
Da nossa parte, no local em que vivemos, o pouco, que é muito, que podemos fazer é nos transformarmos em soldados da paz. Daqueles que não vivem de mexericos e maledicências, que roubam a harmonia na família, no local de trabalho, nos círculos de amizades. Daqueles que não são dados a piadinhas maldosas, sempre pelas costas, e, por outro lado, covardes em dizer a um amigo, com delicadeza, com tato, mas lealmente, olho no olho, algum ponto em que o comportamento dele não é adequado e precisa ser melhorado.
A paz que tanto se almeja é fruto do amor, do amor sinceramente vivido e que brota de um coração puro, sem maldade. Por ser oportuno, deixo que um judeu, que viveu há cerca de vinte séculos, nos ensine como se deve viver para se ter a tão sonhada paz:
Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como um bronze que soa, ou como um címbalo que tine. E anda que eu tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e tivesse toda a fé, até ao ponto de transportar montanhas, se não tivesse caridade, não seria nada. E, ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse caridade, nada me aproveitaria.

A caridade é paciente, é bondosa; a caridade não é invejosa, não é arrogante, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda ressentimento pelo mal sofrido, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (1 Cor, 13).

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