Contemplando a expectativa e euforia que vive o povo
brasileiro por motivo da copa do mundo, vem à memória o que me ensinava uma
professora de história do então curso colegial. De inescondível tendência
marxista, fazia ela um paralelo entre a política do pão e circo adotada pelos
antigos romanos e o futebol nos dias de hoje. Nessa linha, ensinava que o
império romano, para sustentar o poder e evitar uma revolta popular, assegurava
ao povo o pão, simbolizando com isso o alimento imprescindível para o sustento,
e diversão, que na época consistia nos espetáculos muitas vezes sangrentos que
tinham como palco principal o coliseu. Hoje, o pão estaria traduzido da farra
das cestas básicas, e o circo, no futebol. Com isso, concluía a mestre,
evitava-se, como hoje também se evita, que a revolução viesse para libertar o
povo do poder opressor.
Não sou daqueles que espera a revolução que virá
enfim libertar a classe proletária do poder do opressor, nem tampouco acredito
que a justiça social seja o resultado final de uma luta de classes. Mas há de
se reconhecer que o paralelismo que se faz é interessante. De fato, em ano de
copa do mundo, retiram-se os holofotes dos meios políticos, de modo que as
denúncias de corrupção ficam esquecidas e, se calhar de trazermos o título,
esqueçamos o passado, afinal, somos hexa!
Que importa o resto?
Mas além de relevar as falcatruas de que é vítima o
povo brasileiro, o clima de copa do mundo imprime nas pessoas um estado de
ânimo talvez ainda pior que o conformismo, que é uma certa moleza, instigada
por um “deixa para depois”, ou por um “agora não é hora de pensar nisso”, que
impregna o nosso trabalho, nossos compromissos sociais e até os familiares. Com
efeito, pensa-se que não é hora de buscar soluções para os problemas profissionais,
nem muito menos de empreender esforços para resolvê-los. Algo semelhante se
passa no ambiente familiar: aquele filho não está bem, precisa de ajuda, mas
por ora, compramos-lhe uma camisa amarela, torçamos juntos, e depois veremos
como resolver. Quem sabe o hexa não
traga por si só a solução disso tudo!
Ora, o hexa
não trará a solução para nada. Não é caso, porém, de nos transformarmos nuns
chatos de plantão a ponto de assumir a postura carrancuda e lamurienta: o
futebol é o circo que atrasa a vinda da revolução! Mas também não pode ser uma
desculpa que nos impeça de trabalhar, com a mesma intensidade de antes, de se
dedicar a resolver os problemas familiares, com o mesmo afinco que dantes, de
cumprir nossos compromissos assumidos em benefícios dos demais, com o mesmo
empenho de sempre.
Há um ditado muito sábio que preceitua que in medius virtus. A virtude está no meio
termo. Nesse contexto, penso que dependurar bandeiras, vestir uma camisa e até
encerrar mais cedo o expediente de trabalho nos dias de jogo de nossa seleção,
seja algo de muito bom, tanto mais se isso é feito em clima de reunião de
família e de amigos que, vividos num ambiente saudável, reforcem esses laços
familiares e de amizade. Mas, terminado o jogo e a euforia, como bons cidadãos,
ao trabalho, à família, aos nossos compromissos. E eis que o hexa, se vier, será muito bem vindo, mas
trará consigo apenas a taça, e não a solução de nossos problemas. Esses, caros
amigo, não nos iludamos, somos cada um de nós que temos de resolvê-los.
E não me chamem de desmancha prazer. Afinal, também
mal posso esperar por ver a cara do Zico amanhã. Será que ele vai conseguir
ficar triste com a nossa vitória? Ou... nem quero pensar nisso... comemorar a
nossa derrota?..
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