quarta-feira, 21 de junho de 2006

Pão e circo


Contemplando a expectativa e euforia que vive o povo brasileiro por motivo da copa do mundo, vem à memória o que me ensinava uma professora de história do então curso colegial. De inescondível tendência marxista, fazia ela um paralelo entre a política do pão e circo adotada pelos antigos romanos e o futebol nos dias de hoje. Nessa linha, ensinava que o império romano, para sustentar o poder e evitar uma revolta popular, assegurava ao povo o pão, simbolizando com isso o alimento imprescindível para o sustento, e diversão, que na época consistia nos espetáculos muitas vezes sangrentos que tinham como palco principal o coliseu. Hoje, o pão estaria traduzido da farra das cestas básicas, e o circo, no futebol. Com isso, concluía a mestre, evitava-se, como hoje também se evita, que a revolução viesse para libertar o povo do poder opressor.
Não sou daqueles que espera a revolução que virá enfim libertar a classe proletária do poder do opressor, nem tampouco acredito que a justiça social seja o resultado final de uma luta de classes. Mas há de se reconhecer que o paralelismo que se faz é interessante. De fato, em ano de copa do mundo, retiram-se os holofotes dos meios políticos, de modo que as denúncias de corrupção ficam esquecidas e, se calhar de trazermos o título, esqueçamos o passado, afinal, somos hexa! Que importa o resto?
Mas além de relevar as falcatruas de que é vítima o povo brasileiro, o clima de copa do mundo imprime nas pessoas um estado de ânimo talvez ainda pior que o conformismo, que é uma certa moleza, instigada por um “deixa para depois”, ou por um “agora não é hora de pensar nisso”, que impregna o nosso trabalho, nossos compromissos sociais e até os familiares. Com efeito, pensa-se que não é hora de buscar soluções para os problemas profissionais, nem muito menos de empreender esforços para resolvê-los. Algo semelhante se passa no ambiente familiar: aquele filho não está bem, precisa de ajuda, mas por ora, compramos-lhe uma camisa amarela, torçamos juntos, e depois veremos como resolver. Quem sabe o hexa não traga por si só a solução disso tudo!
Ora, o hexa não trará a solução para nada. Não é caso, porém, de nos transformarmos nuns chatos de plantão a ponto de assumir a postura carrancuda e lamurienta: o futebol é o circo que atrasa a vinda da revolução! Mas também não pode ser uma desculpa que nos impeça de trabalhar, com a mesma intensidade de antes, de se dedicar a resolver os problemas familiares, com o mesmo afinco que dantes, de cumprir nossos compromissos assumidos em benefícios dos demais, com o mesmo empenho de sempre.
Há um ditado muito sábio que preceitua que in medius virtus. A virtude está no meio termo. Nesse contexto, penso que dependurar bandeiras, vestir uma camisa e até encerrar mais cedo o expediente de trabalho nos dias de jogo de nossa seleção, seja algo de muito bom, tanto mais se isso é feito em clima de reunião de família e de amigos que, vividos num ambiente saudável, reforcem esses laços familiares e de amizade. Mas, terminado o jogo e a euforia, como bons cidadãos, ao trabalho, à família, aos nossos compromissos. E eis que o hexa, se vier, será muito bem vindo, mas trará consigo apenas a taça, e não a solução de nossos problemas. Esses, caros amigo, não nos iludamos, somos cada um de nós que temos de resolvê-los.

E não me chamem de desmancha prazer. Afinal, também mal posso esperar por ver a cara do Zico amanhã. Será que ele vai conseguir ficar triste com a nossa vitória? Ou... nem quero pensar nisso... comemorar a nossa derrota?..

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