Na semana passada houve uma agitada manifestação de estudantes no centro
de Campinas, que reivindicavam isenção do pagamento de tarifa de transporte
público urbano. Não pretendo tecer considerações sobre o que motivou o
movimento, mas, sempre que contemplo manifestações juvenis, vem-me à memória a
música cantada por Oswaldo Montenegro, Intuição,
que contém uma saudável instigação ao protesto:
Canta uma canção bonita falando da vida em ré maior.
Canta uma canção daquela
de filosofia, é mundo bem melhor.
Canta uma canção que
agüente essa paulada e a gente bate o pé no chão.
Canta uma canção
daquela, pula da janela, bate o pé no chão,
Sem o compromisso estreito de falar perfeito,
coerente ou não.
Deixando de lado, porém, a rebeldia, por si natural e
saudável, o que me intriga são os ideais pouco elevados que movem os jovens de
nosso tempo a lutar. Ainda ressoa nos ouvidos de nós, jovens de anos passados,
aquele conclame a “cantar uma canção bonita, de filosofia e mundo bem melhor”.
Será que eles, jovens de agora, não sonham em um
mundo bem melhor? Não estão dispostos a cantar uma canção que agüente essa
paulada e a gente bata o pé no chão? Por que os motivam agora causas tão pequenas?
É com um forte estremecimento na alma, contudo, que
nós, jovens de anos passados, temos de reconhecer que os jovens de agora não
sabem, agora parafraseando Belchior, “que viver é melhor que sonhar” e talvez
nem que “o amor é uma coisa boa”.
No amanhecer de uma vida, que é a juventude, afloram
muito fortemente os sonhos. Ainda hoje, como antes, querem os jovens lutar por
um mundo melhor, por uma sociedade onde reine justiça e paz. Ainda hoje, como
sempre, o jovem sonha com uma profissão, com o prestígio entre os seus
semelhantes, em ter o reconhecimento no trabalho bem feito em benefício dos
demais. Ainda hoje, como outrora, sonha-se com um amor humano, com alguém com
quem construir juntos esses sonhos.
Mas acontece que os jovens de hoje, como sempre,
precisam de exemplos, de modelos em que se inspirar. Querem contemplar vidas
bem vividas que os façam crer que vale a pena viver. E isso talvez seja os que
mais lhes faz falta, e por isso trazem sonhos tão rasteiros e tímidos.
Sonham com um mundo bem melhor, onde reine justiça e
paz, mas o panorama que lhes apresentam é de corrupção, impunidade e violência.
Sonham com uma profissão que lhes dêem a dignidade do trabalho, mas ao mesmo
tempo se contemplam indignos usurpadores que ganham dinheiro sem nenhum
trabalho digno. Sonham com um amor humano, mas ao mesmo tempo contemplam muito
de perto o triste espetáculo de lares desfeitos, brigas, rancores, degradação
da família.
Talvez seja essa a causa que os faça se animarem para
lutar por menos da metade de uma passagem de ônibus: fechamos as portas de seus
sonhos. E a culpa disso é de nós, jovens de anos passados.
Os jovens de hoje esperam de nós, jovens de anos
passados, exemplos de que a vida vale a pena encarnados em existências
concretas.
Quando sonham com um trabalho profissional honesto
que lhes assegure a dignidade, temos de mostrar-lhes o exemplo de nosso próprio
trabalho, onde encontramos dificuldades e dissabores, mas o desempenhamos da
melhor forma possível em benefício dos demais.
Quando eles, jovens de agora, sonham com um amor
humano com quem compartilhar suas vidas, nós, jovens de anos passados, temos de
estar prontos para abrir-lhes os nossos lares como redutos onde reina a
serenidade e a alegria, apesar das dificuldades.
Enfim, quando nossos jovens de agora querem um mundo
melhor, nós jovens de tempos passados, haveríamos de estar engajados numa luta
acirrada pelo restabelecimento da ética na vida pública, na família, no nosso
trabalho, nas relações sociais.
Do contrário, os anos passarão e estaremos sempre
cantando a mesma canção:
“Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo
tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais”.
Pior, sequer poderemos dizer que fizemos tudo o que
poderíamos para dar-lhes a tão almejada esperança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário