Na edição de 14 de abril de 2006, o Correio Popular nos trouxe um
pronunciamento de Bento XVI, intitulada como “Papa inicia as comemorações que
marcam seu pontificado e pede volta do amor”. A matéria traz palavras do Papa,
pronunciadas por ocasião da celebração da Semana Santa, na qual ele exorta a
todos considerar que “apenas o amor possui a força purificadora que nos tira da
imundície e nos eleva à altura de Deus”.
Essa exortação do Papa contrasta frontalmente com
outra notícia que também se veiculou dias atrás. Nessa, relata-se que uma
senhora inglesa faleceu em seu apartamento, no qual foi encontrada três anos
após, quando constataram que, durante todo esse tempo, esteve ela diante da
televisão que, permanecendo ligada, foi a sua fiel companheira nessa morte
solitária.
E consideremos que essa senhora teve o privilégio de
viver em um País dito de primeiro mundo, que muito se desenvolveu nos chamados
direitos sociais. Com efeito, não há favelas na Inglaterra, lá as famílias de
baixa renda recebem ajuda do Governo, e os idosos não têm que se preocupar se
terão o necessário para o sustento no final de seus dias. Mas o triste fim
dessa mulher nos coloca algumas indagações: Não teria ela filhos que cuidassem
dela? Teriam eles se desinteressado dela por três anos? Não teria vizinhos,
amigos, alguém que notasse sua falta? Enfim, será que bastam os recursos
econômicos que por certo não faltavam a ela?
É curioso observar que, em Países tidos como
desenvolvidos, nos quais já se erradicaram a fome e a miséria, muitas pessoas
estejam famintas e miseráveis de afeto, de atenção, de serem ouvidas, de alguém
que se interesse por elas.
E nós, daqui da parte de baixo do Equador, que
gostamos de importar tudo lá de cima, já corremos o risco de cair em erros
semelhantes. Certo dia, ouvi um desabafo de uma senhora, de idade já avançada,
mas que aproveitou muito bem os anos para crescer em sabedoria. Dizia ela:
“Vejam só, quantos lugares reservados no estacionamento do shopping para os
idosos. Nós não queremos privilégios para estacionar, mas que nos tragam no
shopping e passeiem conosco, ou, melhor ainda, que os filhos e netos nos venham
visitar com freqüência. Isso é que queremos!”.
Pouco a pouco vai se formando um conceito mesquinho
do que seja caridade. O significado verdadeiro da palavra é amor. No entanto,
hoje em dia há muitos que pensam que fazer donativos a instituições que cuidam
de necessitados, ou comprar uma rifa vez por outra para ajudar uma instituição,
já fazem o que lhes cabe no serviço ao próximo, afinal, - dirão – “Não tenho
tempo para fazer mais”.
Há pouco tempo tive o privilégio de observar o
trabalho de integrantes da chamada Toca de Assis em Campinas. São exemplos
eloqüentes da caridade verdadeira. Com efeito, suprem as necessidades materiais
das pessoas a quem atendem, mas não se preocupam nada de que a eles próprios
lhes falte até o necessário. E exatamente por considerar o homem como um todo,
curam as feridas do corpo, mas, principalmente, matam a sede da alma,
esbanjando afeto, carinho e dedicação sincera aos doentes, desamparados,
miseráveis que tiveram a fortuna de serem tocados por essas mãos tão santas.
Quando se pensa em iniciativas para aliviar as
angústias de nossos semelhantes, temos ainda o mau hábito de esperar soluções
mirabolantes, que resolvam os problemas como um todo, em pouco tempo e sem
incômodo ou esforço de nossa parte. Por exemplo, pensa-se que em quatro anos o
governo pode aniquilar o problema da fome no País e que, a partir de então,
todos viverão felizes para sempre.
Mais uma vez, convém lembrar as palavras do Santo
Padre mencionadas no início “apenas o amor possui a força purificadora”. Mas
não pensemos nessas palavras como um sonho utópico. Ao contrário, tiremos delas
conclusões bem concretas para as nossas vidas. E assim o fazendo, cada um não
conseguirá, por si só, erradicar a fome de todos os lugares do planeta, ou
mesmo de nosso país. Mas poderemos fazer com que no meio em que vivemos, nos
lugares por que passamos, nas pessoas com quem nos relacionamos, reine a
indiferença zero, o desprezo zero, a vingança zero. Enfim, trata-se de levar
por onde formos a cor e o sabor que irradiam de quem não vive só para si.
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