Um dia desses tive uma conversa com um amigo e colega
de trabalho. O papo saiu das amenidades e enveredou para questões existenciais.
É que ele estava muito abalado com o falecimento de um parente que, ao que me
pareceu, lhe era muito caro e ele desafiou-me a escrever sobre o assunto: como
entender a sorte do que vai e como consolar os que ficam?
Pensei, num primeiro momento, que a dúvida estivesse
a incomodar apenas o meu colega. Porém, após a tragédia de Pedreira, estou
certo de que muitos andam inquietos com o mesmo assunto. É não é para menos,
pois é muito comovedor imaginar mãe e filha morrendo abraçadas, quiçá cada uma
buscando na outra uma segurança que elas mesmas não poderiam dar-se.
Confesso, caro amigo, que não tenho a menor condição de
apagar suas dúvidas, até porque também as alimento em mim. Mas tive a fortuna
de conhecer um sábio conselheiro a quem recorro em tais questões. Assim,
acredite, apenas reproduzo o que ele me fez ver.
“Não é difícil de entender o que se sucede com os que
partem”, - disse o meu guru com um ar de que retirava as palavras do fundo da
alma. “Observe como é perfeita a natureza, o universo, o corpo humano. Tudo é
composto de partes, que se subdividem em outras tantas, e tudo funciona com uma
harmonia e perfeição impressionantes. É de se supor, portanto, que quem criou
tudo isso é de fato muito sábio, bom no que faz”.
“Mas voltemos agora a considerar o homem e a mulher,
os seus sentimentos, anseios, projetos, enfim, o seu íntimo. Qual é a aspiração
de todos?” Antes que eu pudesse esboçar uma resposta, ele concluiu: “A
felicidade, e que ela perdure para sempre. Se há algo a que todos anseiam é a
felicidade. Por vezes, quase sempre, a procuram por caminhos errados, mas a
buscam, tanto que é correto dizer que a única frustração verdadeira que pode
ter o ser humano é passar uma vida e não encontrá-la”.
“Muito bem”, disse o meu caro filósofo, agora dando
mostras de que iria concluir: “Aquele mesmo ser que criou o mundo com todas as
suas belezas e perfeições, fez o homem e a mulher com esse afã de felicidade.
É, pois, razoável concluir que, ou ele é um sádico, que zomba de nós ao nos
fazer com um afã de felicidade e eternidade que não pode satisfazer, ou, ao
contrário, e muito mais racional, há de se supor que, ao nos criar com tais
anseios, tenha ele como aplacá-los”.
Penso que seus argumentos sejam irrefutáveis e de uma
lógica difícil de se contestar, caro amigo. Ao menos a mim, que não sou
filósofo nem nada, convenceu. De fato, quem de nós não quer ser feliz e que
essa felicidade dure para sempre. Ora, se somos assim, quem nos criou pode nos
dar isso, de modo que penso que não deve nos preocupar muito a sorte dos que
partem, abraçados ou não com a mãe, como ocorreu com a Desiree, em Pedreira.
Mas você andava inquieto também com os que ficam, não
é caríssimo amigo? Quanto à sorte deles, os conselhos que recebi me soaram como
loucura, de início, mas coerentes. Disse-me aquele meu guru que a morte é uma
boa amiga. É bem verdade que, quando ele me disse isso, eu pensei em sair da
casa de meu conselheiro para não mais voltar, mas ele se explicou logo. É que
considerar que haverá uma partida e que não sabemos como nem quando, pode nos
ajudar a viver muito melhor.
“Por exemplo”, acrescentou ele, “você poderá abrir o
vidro do carro ao menos para trocar umas palavras afetuosas com o pedinte que o
incomoda no semáforo. É que pode ser a última chance que terá de fazer algo de
bom a essa criatura. Poderá também resolver dar um passeio divertido com um
filho, enquanto é tempo. Poderá trazer flores para a esposa, sem que haja
motivos para isso, apenas para lembrá-la que a ama. Poderá resolver ir dar um
conselho oportuno a um amigo que está para fazer uma grande bobagem em sua
vida. Poderá decidir-se rapidamente por perdoar alguém que lhe ofendeu e buscar
uma reconciliação. Enfim, pensar que se pode partir a qualquer momento faz com
que não se dê grande importância aos dissabores por que passamos e lutemos pelo
que verdadeiramente vale a pena. Isso é que deve ser dito aos que ficam, que em
breve, eles também irão”.
E depois o meu fiel conselheiro conclui seus
ensinamentos com uma frase que também não é dele, mas que calha muito bem com o
que disse: “No dia em que você nasceu, todos sorriam e só você chorava. Viva de
tal forma que, quando morrer, todos chorem e você sorria”.
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