O recente incidente de nosso Ministro da Fazenda
coloca todos que ocupamos cargos públicos diante de uma situação que merece
repetidas considerações durante a nossa vida: por que escolhi minha profissão?
E a resposta que damos a isso tem muitas implicações,
que vão desde a realização profissional de cada um até o atendimento ou
violação dos direitos das pessoas a quem os serviços públicos são prestados.
Será que se escolhe e se aceita ocupar cargos
públicos porque, uma vez empossados, se estenderão tapetes vermelhos para sobre
eles pisarmos? Certa vez, ouvi de uma colega que queria convencer-me de que a
Comarca onde estava era muito boa porque lá o juiz era tratado como um
“semi-deus”.
Thomas More, o grande humanista inglês, em cujo
currículo se podem contar, dentre outros, os cargos de juiz, parlamentar e
conselheiro do Rei Henrique VIII, demonstra com sua vida o grande desprezo que
tinha pelas honrarias do cargo. Relata seu genro Roper ter visto com surpresa
que, depois de cear com More, o rei saiu para dar um passeio em sua companhia.
Enquanto caminhavam, Henrique VIII ousou colocar os braços por sobre os ombros
de More, o que denotava incomum familiaridade, sobretudo em se tratando de um
inglês. Quando encontrou com o sogro, Roper foi cumprimentá-lo, orgulhoso de
que tivesse tal intimidade com o rei. More, contudo, que não se importava nem
um pouco com isso, se limitou a responder ao genro: “Dou graças a Deus, filho,
ao ver que Sua Majestade é verdadeiramente bom senhor comigo, e penso que me
favorece não mais do que a qualquer outro súdito de seu reino. Não obstante
isso, posso dizer-te, filho, que não existe razão alguma para orgulhar-se. É que,
se com minha cabeça ele pudesse ganhar um castelo na França, por certo eu não a
teria sobre o pescoço”.
Penso que poucas autoridades tiveram tão claro o quão
frustrante e estéril é galgar os cargos
públicos tão-somente pelas honrarias que isso traz.
Há outros, que procuram no poder a dominação. Penso
que isso seja mais perigoso e frustrante ainda. É que a vida dá tantas voltas,
de modo que o julgador passa rapidamente a ser julgado; o administrador a
administrado, enfim, o ministro, a um cidadão como outro qualquer.
Há, enfim, os desejosos de uma boa remuneração, de
uma estabilidade econômica. Nisso, em si, não há nada de mal. Aliás, penso que
os ocupantes de cargos que implicam grande responsabilidade devem ser bem
remunerados. Não pretendo fazer desse espaço palco de defesa de interesses
corporativistas, mas confesso ao leitor que sempre tive séria desconfiança com
relação às pessoas que ocupam cargos públicos, tendo uma família para sustentar,
não dão a mínima importância para o quanto ganham. A explicação disso somente
pode ser uma: não precisam do salário porque têm outra fonte de renda, que,
porém, pode ser lícita ou ...
Mas não é esse o foco da questão. A indagação é: a
boa remuneração deve ser o fator que motiva a se buscar um cargo público?
Um grande sábio que viveu no século passado, durante
toda sua vida repetiu uma frase que deve nos inspirar neste momento: “os cargos
são cargas”. Isso é o que deve nortear a escolha e o modo de se exercer a
função pública: o desejo de servir. E é somente isso que nos permite ter um
auto-controle, muitas vezes difícil de se alcançar, que nos impeça de usar do cargo
para obter vantagens indevidas, aquelas que se têm com a conhecida frase: “sabe
com quem está falando?”.
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