Em matéria publicada ontem no Correio Popular, o Brasil é apontado como referência mundial na
prevenção ao HIV/aids por suas campanhas “educativas” e a distribuição gratuita
de preservativos. Nesta linha, o lema do Ministério da Saúde para o carnaval
2006 é “camisinha, não saia sem ela”. Com o propósito de auxiliar nesse, ao
menos que se diz, bem sucedido programa, gostaria de relatar o caso de um jovem
casal de namorados que conheço, pois penso que a experiência deles pode muito
útil na prevenção dessa terrível doença.
Não vou revelar-lhes os nomes verdadeiros, para não lhes
ferir a intimidade e para não serem discriminados. Chamar-lhes-ei, então, de
Eduardo e Mônica. Afinal estou certo que Renato Russo não se zangará por eu dar
aos personagens que criou uma nova personalidade.
Eduardo é evangélico e freqüentador assíduo de sua
igreja. Mônica é católica e participa ativamente do grupo de jovens de sua
paróquia. Namoram há quatro anos e já pensam seriamente no noivado. Vivem agora
o dilema do que fazer neste carnaval. Eduardo gostaria de participar de um
retiro espiritual para o qual lhe convidou o seu pastor, mas isso não deu certo
neste ano.
Quando Marcão, colega de trabalho de Eduardo, soube
que ficaria na cidade durante o carnaval e que procurava algum lugar para se
divertir com a namorada, cuidou logo de ajudar o amigo: “Dudu, que legal que
neste ano você vai cair na folia, vou passar no banco de preservativos e pegar
umas camisinhas para você também, afinal não podemos descuidar”. Com toda a
educação, mas também com convicção, Eduardo respondeu: “Olha, eu agradeço a sua
preocupação, mas não precisa disso, eu e a Mônica, por livre opção nossa,
decidimos que manteremos relação sexual somente quando nos casarmos e estou
certo de que foi uma boa escolha que fizemos”.
O amigo insistiu: “Eu sei disso, Dudu, mas, sabe como
é... Pode vir um momento de fraqueza, e é bom estar prevenido”. Agora, senhor
de si, Eduardo respondeu: “Sabe, Marcão, há alguns anos eu tinha um cachorro do
qual eu gostava muito, o Batuque, mas
havia um sério problema com ele. Quando a cadela do vizinho entrava no cio, não
havia quem o segurasse, pulava o muro, estragava as coisas em casa, fazia um
verdadeiro carnaval. Meu amigo, é claro que tenho desejos, além disso, amo
muito a Mônica, o que torna a situação mais difícil. Mas sou um homem e não um
cachorro, de modo que posso dominar a minha vontade à luz de uma reta razão.
Não sei se me entende. No fundo, nem quero que me entenda, mas apenas que
respeite nossa opção”.
Mas o drama vivido por Mônica foi ainda pior que o do
namorado. Resolveu ela passar um dia na casa do pai, que está divorciado de sua
mãe e já no terceiro casamento. Neste dia, o pai, que se diz do tipo “liberal”,
tentou ser agradável com ela: “Filha, você já namora há tanto tempo e já está
com vinte anos, eu estava pensando se você não quer que eu coloque uma cama de
casal aqui no seu quarto, assim talvez pudesse trazer os seus namorados para
passar os finais de semana aqui conosco”. Mônica concorda com Eduardo em quase
tudo, porém, muito mais impulsiva e estourada, não mediu as palavras na
resposta: “Pai, o que está me dizendo? Por acaso pensa que sou uma prostituta
para vir aqui me deitar com cada namorado que encontrar? Sabe, pai, para mim
meu coração é algo muitíssimo precioso, e pretendo guardá-lo muito bem para,
quando chegar o momento, dar-lhe de todo a uma única pessoa. É que as que se
entregam a todo mundo, no fundo não se entregam a ninguém, são presas de um
prazer momentâneo que nada constrói. Afinal, o egoísmo não constrói nada a não
ser a própria destruição”. E, bem do feitio dela, saiu batendo a porta.
Logo que se encontrou com Eduardo, contou-lhe a briga
com o pai. Ele, sempre muito ponderado, disse-lhe: “Mônica, meu amor, você tem
razão no que disse, mas poderia ter dito de outra forma. Com esses modos não
conseguirá nada. Pior, levantará mais incompreensão”. “Eu sei”, respondeu ela,
e prosseguiu: “mas do jeito que ele me falou, o sangue ferveu. Droga, por que
será que ninguém nos entende? Não tenho nada contra a que as pessoas queiram
viver essa libertinagem nas relações sexuais. Mas, se se prega tanto a
tolerância hoje em dia, por que não respeitam a nossa opção?”.
Confesso ao leitor que fiquei emocionado ao
contemplar a rebeldia desses jovens, tão à moda deles, estampada em uma frase
em suas camisetas de carnaval: “liberdade, não saia de casa sem ela”.
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