Certa vez,
encontrávamos eu e minha esposa na casa de um casal, amigos nossos, que nos
convidou para um jantar. Enquanto conversávamos de forma descontraída, o filho
de nossa amiga, que então contava com cerca de dez anos, entrou na sala e colocou
a mãe contra a parede: “Mãe, você já decidiu se poderei ir ao acampamento
amanhã?”. A mãe, calmamente, respondeu que já decidiu, mas que conversaria com
o filho mais tarde. Ele insistiu e ela, discretamente, pediu-nos licença e
manteve uma conversa com o filho.
Mais tarde, já na
mesa de jantar, o filho tomou assento contrariadíssimo e, de braços cruzados,
recusava-se a provar qualquer alimento. A mãe então lhe perguntou se não iria
mesmo comer nada, ao que respondeu: “se você não me deixar ir no passeio com
meus amigos, não vou comer nada”. Sem perder a paciência, nossa amiga concluiu:
“estou em paz com a minha consciência de que decidi o que é melhor para você e,
por esse motivo, não irá a esse acampamento. Agora, se não quer comer, fique
muito à vontade, a próxima refeição a ser servida nesta casa será amanhã, o
café da manhã”. Dito isso, retirou-lhe o prato e, tomando-o pelo braço,
conduziu o filho ao quarto.
Impressionou-me
muito a firmeza e, ao mesmo tempo, delicadeza dessa mãe. Penso que esse episódio
pode nos ajudar a meditar acerca de qual é o limite das atitudes que podemos
tomar para pressionar os outros a tomar as decisões que nos parecem
convenientes ou corretas. Concretamente, até que ponto é aceitável a greve de
fome para instar certas pessoas, mormente detentoras de poder, a agir de
determinada maneira?
E a questão pode se
tornar ainda mais complexa se atentarmos para que as pessoas agem, ou deveriam
agir, sempre de acordo com os ditames de suas consciências, e essas, espera-se
que estejam bem formadas.
Thomas More, o
célebre humanista inglês, acusado de conspirar contra Henrique VIII, durante
sua permanência na prisão, numa carta escrita à filha Margareth, disse-lhe: “a
claridade de minha consciência fez meu coração saltar de alegria”. E More disse
isso quando já sabia que a decisão tomada de acordo com sua consciência lhe
renderia a morte.
Nesse contexto,
quando alguém, investido de autoridade, pratica ou tende a praticar algo que
nos parece ilícito, incorreto ou inconveniente, qual deve ser a nossa postura
diante disso?
Acredito que devemos
defender o ideal que nos parece correto, ou seja, aquele que nossas
consciências aponta como melhor, com todos os meios de que dispomos: palavras,
cartas aos meios de comunicação, manifestações públicas, passeatas, em suma,
tudo o que se admite numa democracia como legítimos instrumentos de pressão.
Quanto à greve de
fome, por mais que tenha pensado acerca de seus fundamentos, não consegui ainda
me desvencilhar de uma contradição que me parece insuperável. É que quem a faz
pensa que o outro, aquele a quem pretende pressionar, deva se preocupar com a
sua vida mais que ele próprio. Pior ainda, sugere algo do tipo: “se não fizer o
que eu quero, você será o culpado da minha morte”. Ora, o culpado da morte em si
será, nesse caso, sempre e inexoravelmente aquele que negou alimento a si
próprio. O outro será, quando muito, culpado das conseqüências do ato que
motivou a greve de fome, não da inanição de quem a faz.
Portanto, penso que
a greve de fome, quando muito, possa ter como propósito instar alguma pessoa a
examinar em sua consciência a questão que a motiva. Ir além disso, ou seja,
exigir que a decisão seja tomada como quer o grevista, é tolher a liberdade de
quem toma a decisão e, muitas vezes, um atentado à própria vida, o que é
inaceitável.
Confesso que já me
coloquei a pensar no que eu faria se, por exemplo, um grupo de mil pessoas, se
dispusesse a fazer greve de fome, exigindo-me que decidisse um caso de
determinada maneira. Se isso me ocorresse, meditaria muito mais a fundo no
assunto, afinal, mil pessoas têm muito mais chances de estarem certas do que um
sozinho. Mas ainda assim, se a minha consciência, após detida e ponderada
análise, apontasse no sentido contrário, seguiria a voz da minha consciência que,
nesse caso, também não me acusaria da morte dos que me pressionam.
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